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Augusto Nunes

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General é o bode da vez

Em nenhum momento o ministro Santos Cruz usou a palavra censurar. Ele falou em disciplinar os membros do governo e aprimorar as leis

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 19h45 - Publicado em 8 Maio 2019, 15h44

José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)

As milícias virtuais, nada virtuosas, que têm Jair Bolsonaro na conta de deus, sendo seu filho Carlos o profeta, queimam em fogueiras retóricas, cujo combustível são insultos de todos os calões, quaisquer ocupantes de cargos poderosos nas proximidades do gabinete presidencial que ousem discordar de éditos emanados de seu iPhone. Agora mesmo o Ofício Profano aponta sua carga de pólvora verbal para o secretário-geral da Presidência, general Carlos Alberto dos Santos Cruz. A vítima anterior foi seu antecessor no posto, o advogado Gustavo Bebianno.

O que está acontecendo obedece à mesma lógica (ou falta de) das vezes anteriores. O citado general e ministro defendeu, em entrevista ao Estado e à Rádio Jovem Pan, no mês passado, a necessidade de aprimoramento da legislação que trata das redes sociais. “(O uso das redes sociais) Tem de ser disciplinado, até a legislação tem de ser aprimorada, e as pessoas de bom senso têm de atuar mais para chamar as pessoas à consciência de que a gente precisa dialogar mais, e não brigar”, disse.

Nada de mais. Nada de novo. Nada que fosse capaz de substituir pela segunda vez em quatro meses o titular de uma pasta importante no instante em que a Nação inteira espera, em desassossego, a aprovação mais rápida possível da reforma da Previdência, capaz de economizar RS$ 1 trilhão dos cofres públicos, como o presidente vem afirmando em consonância com sua promessa ─ nem sempre cumprida ─ de ouvir o ministro da Economia, Paulo Guedes, por ele mesmo alcunhado de “posto Ipiranga”.  No entanto, o próprio Jair, que substituiu a forma de comunicar-se por bilhetes de Jânio Quadros por tuítes, postou nas redes sociais o seguinte post: “Em meu governo, a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluídas as sociais. Quem achar o contrário, recomendo um estágio na Coreia do Norte ou Cuba”.

Acontece que em democracias antigas e sólidas, como nos Estados Unidos e na União Europeia, juristas, políticos e comunicadores debatem, com seriedade, profundidade e longeva tradição democrática, como fazer para encontrar o lugar adequado das redes sociais nas legislações vigentes. O código penal de quaisquer desses países pune com rigor profissionais dos veículos tradicionais de comunicação que abusem do direito sagrado das liberdades de expressão, opinião e informação quando violam outros princípios basilares da garantia de privacidade, além da honra de pessoas, da reputação de empresas e instituições e, sobretudo, da verdade dos fatos. Não há ainda, contudo, garantias semelhantes nas chamadas redes sociais. E o general está certo: elas são necessárias.

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A primeira impressão da leitura do tuíte presidencial é a má qualidade da linguagem usada. Quem haja escrito “sem qualquer” e “quem achar o contrário, recomendo”, barbarismo, haveria de recriminar o professor do escriba, seja lá quem for, por não lhe haver ensinado no grupo escolar que não se separa com vírgula predicado de complemento indireto, que, além do mais, exige presença da preposição a, ou seja, uma vírgula a menos, uma preposição a mais. Além de recomendar por a frase na ordem direta, que sempre facilita a vida de semialfabetizado que se mete a escrever. E olhe que o maior vício de linguagem do recadinho curto e impreciso é o de argumentação, que se aprende em cursos de lógica, que não são ministrados em escolas de veterinária, engenharia e medicina, mas naquelas que o ministro “nota zero” da Educação, Abraham Weintraub, considera obsoletas e inócuas, das velhas ciências humanas. Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino se reviraram na tumba com a entrada de Cuba e Coreia do Norte naquelas duas linhas e meia de aleijões semânticos. Um atropelo lógico similar à metáfora imperfeita “resgatar o futuro”.

Em nenhum (não qualquer) momento o general Santos Cruz usou a palavra censurar. Ele falou em disciplinar (os membros do governo) e aprimorar (as leis), que, para economizar o custo do dicionário para autores iletrados, significam submeter-se a regulamento e melhorar. A referência à regulamentação, palavra usada pelo PT para censurar a imprensa, não as redes, não faz sentido. No meio do embate para destravar a economia e empregar os 13 milhões e 400 mil desempregados do Brasil, o site O Antagonista publicou uma notinha curta e lavrada em vernáculo escorreito: “Um professor da UnB analisou 6.452 tweets de Jair Bolsonaro e descobriu que 5.936 foram postados num iPhone. Jair Bolsonaro, segundo a Veja, tem um Samsung. Quem tem iPhone é Carlos Bolsonaro”. Mas o leitor desavisado não deve sentir alívio ao saber que o presidente da República não escreveu a besteira. O redator não responde pelo texto, mas o signatário. Se o filho escreveu, o responsável é o pai.

Sempre que alguém ─ incluído o autor deste texto ─ critica quaisquer palavras ou atos do presidente ou da primeira família haverá alguém para constatar, ao estilo do conselheiro Acácio: “O governo tem apenas quatro meses. Espere para poder criticar”. É bastante compreensível que isso ocorra, pois, afinal, nada há de novo no front virtual, a não ser a impunidade generalizada dos atiradores, que muitas vezes não passam de robôs ou se escondem no anonimato dos nomes inventados e de avatares sugestivos da personalidade de quem os usa. Repete-se a mesma história de sempre do fanatismo ideológico, anabolizado pelo exercício do poder por seus políticos de estimação. Outro comentário comum de quem execra os críticos é repetir a ladainha: “Lula e Dilma fizeram a mesma coisa e a extrema imprensa nunca reclamou”. Sou jornalista e radialista há 52 anos e estaria milionário se cobrasse uma moeda de centavo por cada vez que vi, li e ouvi cobrança desse tipo sob o mandarinato petista ou agora.

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Uma vez, numa mesa-redonda no auditório da Biblioteca Municipal Mário de Andrade em que se debatia o apedrejamento da “língua inculta e bela” de Olavo Bilac, fiz uma brincadeira com a mania de Lula de fletir o gênero do advérbio menos, empregando uma forma ─ menas ─ inexistente. O gramático com quem debatia, catedrático da USP, que tanto Weintraub maldiz, me corrigiu: “O conde Almeida Garrett fletia advérbios”. Respondi-lhe que não conheço o suficiente a obra do nobre literato lusitano para nela me ter deparado com menas, mas tinha certeza, por conhecer muito bem a figura, que Lula não aprendeu a fazê-lo lendo Garrett. Evidentemente o auditório lotado desabou em gargalhadas e o professor, emburrado, preferiu retirar-se. Imagino, contudo, que ele não defenderia com o mesmo ardor a missão impossível de “resgatar o futuro”.

Santos Cruz é citado por Bela Megale no site de O Globo, em notícia de que um sobrinho da primeira mulher de Bolsonaro, Leonardo Rodrigues de Jesus, o “Léo Índio, tem dado superpoderes ao cargo de assessor parlamentar, que passou a ocupar no fim de abril. Ontem, publicou em uma rede social uma entrevista que deu enquanto estava no Maranhão, na última semana. Nela, apresentou-se como ‘interlocutor do governo federal’. Também disse que estava no Estado para ‘encaminhar as principais necessidades do povo maranhense ao presidente’. Apesar de falar em nome do governo, Léo Índio não faz parte dele. Bem que seu primo mais próximo, o vereador Carlos Bolsonaro, tentou emplacá-lo como seu olheiro no Planalto, mas não obteve sucesso. Ele foi vetado pelo ministro Santos Cruz, que comanda a Secretaria de Governo. Os documentos de Léo Índio já haviam sido entregues ao setor responsável pelas contratações no Palácio e até o pedido de emissão de passaportes diplomático já tinha sido feito para ele”. Após deixar o palácio, Léo atualmente assessora um senador.

Pode ser coincidência, mas o primo de Carlos chamou a atenção da reportagem do Estado pela frequência com que visitou o Planalto, com crachá de visitante, antes de Bolsonaro viajar para Davos: 56 vezes a 18 do ex-marido da tia. Suas visitas mais frequentes na época foram ao gabinete do então ainda secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno.

Seja qual for a razão, seria bom para o País que Bolsonaro desse atenção ao prudente aviso de sua quase vice Janaina Paschoal: “Se o presidente permitir a autofagia, será o fim. Um líder pode até se fortalecer do conflito, por um breve período. Quando o conflito se transforma em dinâmica de gestão, o risco imaginado passa a ser real”. Carlos também deveria atentar para isso, pois filho de ex-presidente não tem poder nenhum. Para atacar general, então, nem pensar, seja qual for o regime.

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