Especial VEJA: Cabo Anselmo, o inimigo dos amigos
Publicado na edição impressa de VEJA Um presidente fraco cercado de bons conselheiros a quem não ouvia e de péssimos palpiteiros por quem se deixava convencer, um cunhado em ebulição permanente, placas tectônicas políticas em choque, o oficialato revoltado, o que mais faltava para o 31 de março de 1964 dar no que deu? Um marinheiro […]

Publicado na edição impressa de VEJA
Um presidente fraco cercado de bons conselheiros a quem não ouvia e de péssimos palpiteiros por quem se deixava convencer, um cunhado em ebulição permanente, placas tectônicas políticas em choque, o oficialato revoltado, o que mais faltava para o 31 de março de 1964 dar no que deu? Um marinheiro de rosto de menino e lábia de agitador profissional chamado José Anselmo dos Santos.
Tão inocente na aparência e tão eficiente na agitação era o cabo Anselmo que suas culpas futuras foram antecipadas: colaborador das forças da repressão da ditadura na década de 70, passou a ser considerado, por uma ala da historiografia de esquerda, um agente da CIA plantado desde o começo para arrastar o governo Jango à desgraça. A versão CIA pode ser ilusão de perdedores, mas Anselmo realmente ajudou a afundar o governo.
Explorando o tratamento brutal dispensado à marujada, tornou-se um líder do movimento esquerdista nas fileiras mais baixas das Forças Armadas. Atingiu o ápice no discurso aos 2.000 marinheiros que, no Palácio do Aço, sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, aderiram à insurreição declarada contra o comando da Arma. Era 25 de março de 1964, em plena Semana Santa. João Goulart passou a mão na cabeça dos rebelados, o ministro da Marinha, Silvio Mota, pediu demissão e nem um único comandante militar da ativa aceitou substituí-lo.
Cabo Anselmo rumou para a clandestinidade. Depois de dois anos de treinamento de guerrilha em Cuba, voltou ao Brasil, foi preso, torturado e cooptado pela equipe do notório delegado Sérgio Fleury, que o apelidou de Kimble, personagem da série O Fugitivo. Por suas próprias contas, delatou “uns 100, 200″ companheiros. Ganhava salário para delatar os ex-colegas de guerrilha, analisar dados e instruir outros infiltrados. No mais devastador golpe individual, em 1973, ajudou o Dops a prender e fuzilar seis líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) no Recife, entre eles sua mulher, a paraguaia Soledad Barrett Viedma. “Existia entre nós um carinho muito grande. Esse negócio não está bem resolvido dentro de mim”, disse num programa Roda Viva.
Anselmo vive no interior de São Paulo, na região de Itatiba. “Já tive uns quinze endereços; agora cuido de uma horta e alimento minhas galinhas”, contou, por e-mail, a VEJA. É sustentado pelos poucos amigos, sendo o mais fiel deles o delegado Carlos Alberto Augusto, que durante a vida dupla fez a ponte entre o cabo e o Dops. Anselmo tem pronto um livro, com prefácio de Olavo de Carvalho, de 300 páginas.
Algum arrependimento? “Não existe remorso quando em tempo se reconhece o desastre iminente, contribuindo para salvar os passageiros de um naufrágio.”
Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.