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Equívocos, danos e uma boa proposta

A crise não trouxe apenas danos sociais e econômicos. Mostrou também danos morais

Por Carlos Alberto Sardenberg
Atualizado em 30 jul 2020, 20h26 - Publicado em 4 jun 2018, 07h33

Carlos Alberto Sardenberg (publicado no Globo)

O governador de São Paulo, Marcio França, candidato à reeleição, propôs o tabelamento do preço do diesel (reduzido) e dos fretes (aumentado). Os governos já tabelaram muita coisa no Brasil — e o resultado foi sempre o mesmo, mercado paralelo, escassez e preços em alta. No caso, além desse precedente, há o fator Petrobras: a empresa não seria obrigada a operar no vermelho?

O governador respondeu: “Não dá para uma empresa brasileira, que também pertence aos brasileiros, querer pensar em dólar”.

Parece fazer sentido, mas é um equívoco enorme. Não se trata de “querer pensar”. O fato é que a Petrobras compra em dólar, vende em dólar, toma empréstimo e recebe investimentos em dólar. Não porque queira. Mas porque não tem como fazer isso tudo apenas em reais.

Na verdade, o governador apenas seguiu ideias, quer dizer, a opinião rala de que políticas “justas” não têm custo. E no entanto, é claro: se a estatal tem prejuízo vendendo para alguns brasileiros, a conta vai acabar no bolso de outros brasileiros.

Assim como ocorre com o esquema de preços do diesel, o esquema negociado. Serão reduzidos os impostos sobre o óleo diesel e o governo federal vai subsidiar o combustível, ou seja, vai pagar parte do preço. Portanto, o governo, que está operando com déficit, vai arrecadar menos dinheiro e ter uma despesa a mais.

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Vai daí que só tem duas possibilidades. Ou cobra impostos de outros setores ou gasta menos em obras e serviços que atendem a outras pessoas.

Não pode aumentar impostos — reagem líderes políticos, assim respondendo a bronca de muita gente. O governo admite e ministros garantem que não haverá aumento de impostos, mas redução de incentivos.

Incentivo, no caso, significa simplesmente o seguinte: o setor beneficiado paga menos imposto. Retirado ou reduzido o incentivo, o setor inevitavelmente vai pagar mais impostos — chamem isso como quiserem.

Por exemplo, o governo paga aos exportadores 2% do que vendem no exterior. Isso é justificado como o ressarcimento de impostos cobrados no processo de produção. Ok, digamos que é correto, que não se deve exportar impostos. Mas o caso permanece: se for retirado esse incentivo, o exportador vai pagar mais imposto para subsidiar o gasto do governo com o óleo diesel.

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Em bom português: é retirar um subsidio para financiar outro subsidio. Ou, aumentar um imposto aqui para reduzir ali.

Exatamente como ocorre com a alegação de que haverá apenas “reoneração” da folha de pagamentos de vários setores industriais. Ora, reonerar com o que? Com impostos que haviam sido eliminados.

Atenção, subsídios podem ser uma política social: tirar dinheiro de alguns, mais ricos, para financiar outros, mais pobres. Mas precisa ser uma política clara. Dizer que não tem custo é abrir caminho para práticas que tiram do mais pobre — aquele que paga os impostos de consumo e serviços — para entregar a quem não precisa ou que está no fim da fila.

Boa proposta

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No meio de tantos equívocos, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Cade, apresentou uma proposta muito boa para o comércio de combustível. São nove pontos, destacando-se:

  • permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos;
  • permitir que distribuidoras e refinarias sejam proprietárias de postos;
  • fim da proibição de importação de combustível pelas distribuidoras;
  • reduzir ICMS, mudando o sistema de cobrança;
  • permitir os postos de autosserviço, como aqueles dos EUA, nos quais o próprio consumidor passa cartão e abastece.

Tudo para aumentar a competição e reduzir custos.

A crise não trouxe apenas danos sociais e econômicos. Mostrou também danos morais.

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Aconteceu num mercadinho de bairro em São Paulo. A dona, diligente, havia conseguido algumas verduras e avisou a clientela. Formou-se uma pequena fila e uma grande discussão. Uma senhora havia arrematado todos os dez maços de espinafre. No caixa, outras freguesas perguntaram se ela tinha restaurante. Não tinha. Observaram que a verdura acabaria estragada. Ela explicou que ia cozinhar e congelar. Então, foram ao ponto: caramba, havia outras pessoas na fila, ela não poderia levar só o que consumiria de imediato?

“Não, estou pagando e cheguei primeiro” — foi a resposta.

Compras exageradas nos supermercados, estoques domésticos, filas nervosas nos postos de combustível — teve muito comportamento na base de cada um por si.

Cabem nessa categoria as greves e manifestações oportunistas. Governo fraco, cedendo, também vou buscar o meu — tal foi o comportamento de muita gente.

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