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Eliane Cantanhêde: ‘O mais pesado’

Lula atacou Moro na ONU, mas se torna réu por um outro juiz, a muitos quilômetros de Curitiba. Vai alegar que há um complô dos juízes brasileiros contra ele?

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h12 - Publicado em 31 jul 2016, 18h25

A “fonte” é quente: o que já saiu não é nada leve, mas as denúncias “mais pesadas” contra o ex-presidente Lula ainda estão por vir. É por isso que Lula e seus advogados se antecipam, em busca de uma duvidosa proteção no Comitê de Direitos Humanos da ONU. No ambiente político, a sensação é de que foi um ato de desespero, indicando que Lula sabe que pode ser preso e estaria aplainando terreno para um futuro pedido de asilo político.

Obstrução de Justiça ao tentar evitar delações premiadas contra amigos e contra si, ocultação de patrimônio no caso do sítio e do triplex, suspeita de palestras fictícias para empreiteiras, envolvimento do filho na Zelotes… tudo isso, que já não é pouco, é apenas parte da história. Os investigadores estão comendo o mingau pelas bordas, até chegar ao centro, fervendo.

No centro, podem estar as perigosas relações de Lula com o exterior, particularmente com Portugal, Angola, Cuba e países vizinhos. E o calor vem da suspeita – com a qual a força-tarefa da Lava Jato trabalha – de que Lula seja o cérebro, ou o chefe da “organização criminosa”. No mensalão, ele passou ao largo e José Dirceu aguentou o tranco. No petrolão, pode não ter a mesma sorte – nem escudo.

Lula tornou-se réu pela primeira vez, na sexta-feira, pelo menor dos seus problemas com a Justiça: a suposta tentativa de evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, para que ele não abrisse o bico sobre as peripécias de seu amigo José Carlos Bumlai. Peripécias essas que seriam para atender a interesses, conveniências e possivelmente pedidos de Lula.

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Digamos que tentar obstruir a Justiça é um “crime menor”, quando Lula é suspeito de ter ganho fortunas e viver à custa de empreiteiras, numa rede de propinas, de toma lá, dá cá. Menor, mas impregnado de simbologia e de força política.

Os fatos embolaram-se de quinta para sexta-feira, num ritmo de tirar o fôlego. Lula entra com a petição no Comitê da ONU, acusando o juiz Sérgio Moro de “abuso de poder” e “falta de imparcialidade”. Ato contínuo, sai o laudo da PF mostrando, até com detalhes constrangedores, como o ainda presidente e Marisa Letícia negociaram cada detalhe da reforma de um sítio que juram não ser deles e cujo dono oficial é um íntimo amigo que não tem renda para tal patrimônio. E, já no dia seguinte, explode a decisão da Justiça Federal do DF tornando Lula réu.

O efeito prático da petição à ONU é remoto, ou nenhum. O comitê tem 500 casos, só se reúne três vezes por ano e está esmagado por guerras, atentados que matam dezenas e golpes de Estado sangrentos. Além disso, só acata pedidos semelhantes quando todas as instâncias se esgotaram no país de origem e Lula ainda está às voltas com a primeira instância. Conclusão: a ação é mais política do que jurídica.

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Já o laudo da PF é minucioso e bem documentado, criando uma dificuldade adicional para Lula: ele é suspeito de mentir sobre suas propriedades não apenas em seu depoimento às autoridades, mas à própria opinião pública. Difícil acreditar que não é dono do sítio que frequenta regularmente com a família, que recebeu uma reforma feita ao gosto do casal, que abriga os barcos para os netos e parte da mudança do Alvorada após o governo. Se mentiu, por que mentiu?

Mais: Lula atacou Moro na ONU, mas se torna réu por um outro juiz, a muitos quilômetros de Curitiba. Vai alegar que há um complô dos juízes brasileiros contra ele? Porque são todos “de direita”? Ou são todos “tucanos”? Lula parece dar murro em ponta de faca, sem argumentos concretos para se defender e esgotando suas possibilidades não só de disputar em 2018, mas de liderar uma grande e saudável renovação da esquerda brasileira. “Cansei”, reagiu. Mas, se a “fonte” estiver correta, o “mais pesado” ainda vem por aí.

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