Editorial do Estadão: Educação à deriva
Enquanto durar este embate estéril entre "ideólogos" e técnicos no MEC, os problemas reais da educação permanecerão intratados
Está em curso no Ministério da Educação (MEC) uma renhida disputa interna. Seria o caso de celebrar o embate se os contendores estivessem divididos em grupos genuinamente preocupados com os reais problemas educacionais brasileiros e divergissem em alto nível quanto às medidas mais acertadas para resolvê-los de uma vez por todas. Mas não é disso que se trata.
Pela ação errática do MEC e por uma série de diagnósticos no mínimo esdrúxulos traçados pelo ministro Ricardo Vélez Rodríguez até aqui, é de suspeitar que os problemas de fundo da educação brasileira não sejam sequer conhecidos por quem tem a incumbência de dar-lhes soluções.
Três milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos estão fora da escola. Milhares de professores da rede pública de ensino têm formação inadequada para as disciplinas que lecionam. A taxa de analfabetismo no País é de 7% (11,5 milhões de pessoas com 15 anos ou mais), acima da meta estipulada no Plano Nacional de Educação para 2015 (6,5%). Jovens chegam à universidade incapazes de compreender textos simples. O Brasil ocupa a 59.ª posição em um ranking composto por 70 países no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da OCDE. O País destina cerca de 6% do Produto Interno Bruto para a educação, mas não há eficiência nestes gastos que se traduza em uma melhora percebida da qualidade do ensino e na capacitação de nossa força de trabalho para dar conta dos desafios do mercado.
São muitos os problemas crônicos na área de educação, mas eles têm passado ao largo dos grupos que hoje disputam poder no MEC. Os “ideólogos” ligados ao conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, o astrólogo Olavo de Carvalho, os militares nomeados para postos-chave na pasta e servidores de perfil mais técnico ─ estes, sim, defendendo a adoção de políticas educacionais de eficácia comprovada ─ travam uma batalha por protagonismo na qual, até o momento, tem prevalecido a astroideologia. No fogo cruzado fica o resto.
Recentemente, o ministro Vélez Rodríguez afastou auxiliares que seriam da ala “ideológica” do MEC. É o grupo ao qual se atribui a desastrada tentativa de obrigar as escolas de todo o País a perfilar seus alunos ao som do Hino Nacional, filmar a cena e enviar as imagens ao MEC, que faria dos vídeos dos alunos sabe-se lá qual uso.
Em reunião com o presidente da República esta semana, o ministro relatou a existência de um motim contra ele envolvendo funcionários ditos “olavistas”. Jair Bolsonaro determinou, então, o afastamento de seis deles, e também do coronel Ricardo Wagner Roquetti, do grupo de militares que faz oposição à ala “ideológica” do MEC.
Os expurgos não bastaram para aplacar a ira do astrólogo, que age como uma espécie de eminência parda do governo. Olavo de Carvalho usou suas redes sociais para vociferar contra todos os que acredita serem obstáculos à sua influência no MEC. Luiz Antônio Tozi, secretário executivo da pasta, é um deles. Por ordem de Jair Bolsonaro, o ministro Vélez Rodríguez demitiu o “número dois” do Ministério na terça-feira passada.
Se motim há, é porque faltam comando e direcionamento claros para as ações do MEC, hoje mais afeito a combater problemas inexistentes ou desimportantes do que a tratar de questões realmente sérias. A briga revela também a tutela do presidente Bolsonaro sobre seus ministros, tolhendo-lhes a autonomia que prometera dar quando em campanha para o Palácio do Planalto.
Enquanto durar este embate estéril entre “ideólogos” e técnicos no MEC, os problemas reais da educação permanecerão intratados. Paralisado por “não ter garantias” de que permanecerá no cargo, pois aquele a quem se atribui sua nomeação ─ Olavo de Carvalho ─ agora defende a sua destituição, o ministro Vélez Rodríguez tem deixado de tomar ações importantes na pasta, de acordo com relatos de alguns de seus auxiliares ouvidos pelo Estado. E assim a educação brasileira vai à deriva.