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Editorial do Estadão: A encruzilhada nacional

Saber como se chegou à situação atual é o primeiro passo para evitar que charlatães triunfem

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h21 - Publicado em 30 ago 2018, 07h15

Eleições podem ser ensejo para a multiplicação de ilusões com o objetivo de seduzir o eleitor. Não se trata necessariamente de apelar para mentiras ou fraudes, embora isso também aconteça; o que tem marcado as campanhas é o reducionismo marqueteiro, que transforma grandes temas em slogans de fácil digestão. Ganha mais votos aquele cuja lábia convence o eleitor de que é capaz de trazer a felicidade pelo menor custo. O atual momento brasileiro, no entanto, mais do que qualquer outro da história recente, exige que o eleitor saiba exatamente o que lhe estará reservado no futuro próximo caso não sejam tomadas imediatamente medidas de austeridade para tirar o Brasil da beira do abismo. E isso, infelizmente, não está acontecendo ─ há, pelo contrário, um “enorme grau de incompreensão” da população sobre o “curso absolutamente insustentável” em que o País se encontra, como alertou recentemente o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Tendo sido um dos principais responsáveis pela implantação do Plano Real, Malan tem autoridade para falar sobre o quão duro é um processo de estabilização de uma economia em frangalhos. Esse processo demanda, antes de tudo, a colaboração consciente do conjunto da sociedade. O Plano Real funcionou porque, ao contrário dos planos anteriores, não foi implantado de cima para baixo. Na prática, o Real foi uma espécie de convite para que os cidadãos imaginassem a economia sem inflação, com o restabelecimento do valor das coisas, sem a variação diária de preços. A população, aos poucos, aderiu, porque se sentiu como parte da solução. Mas o plano não foi bem-sucedido apenas por isso. Como preço a pagar pela sonhada estabilidade, os brasileiros foram chamados a apoiar uma dura série de medidas, que incluíram a renegociação das dívidas dos Estados, a venda de estatais, a reestruturação do sistema bancário e o ajuste fiscal. Com a notória exceção do PT, o Real foi amplamente aceito – o que significa que, se bem explicadas e transparentes, as reformas necessárias para reequilibrar as contas nacionais podem, sim, como sugere Malan, receber apoio dos eleitores.

Para que isso aconteça, contudo, é necessário preservar a memória recente do País, impedindo que a mistificação prevaleça sobre a realidade dos fatos. Por isso é muito oportuno que respeitados protagonistas desse passado, como o ex-ministro Malan, venham a público para ajudar a combater as desonestas tentativas de desmoralizar todo o hercúleo trabalho que resultou no fim da chaga da inflação e na estabilização da economia, condições sem as quais a festejada “justiça social” dos governos lulopetistas não teria sido possível.

O recém-lançado livro Uma Certa Ideia de Brasil: Entre Passado e Futuro, que reúne artigos de Malan publicados no Estado entre 2003 e 2018, tendo como eixo, portanto, a desastrosa passagem do PT pela Presidência, presta-se a essa imperiosa tarefa de denunciar o logro da propaganda petista – que trata o eleitor como passivo freguês do mercador de ilusões Lula da Silva ─ e de convidar os brasileiros a ter “consciência social do passado”.

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Para Malan, o próximo presidente tem de ter “consciência do que foram os últimos 15 anos, porque (governar com essa herança) será o maior desafio de sua vida dada a situação do País”. Como lembrou o ex-ministro, a campanha eleitoral é a parte menos penosa dessa experiência, porque “disputar a eleição e eventualmente ganhá-la é uma coisa”, mas “governar um país da complexidade do Brasil é algo muito mais complicado” ─ especialmente quando o eleitor não é advertido previamente de que terá de fazer muitos sacrifícios.

“Estamos num ponto de inflexão, numa encruzilhada que é das mais importantes que tivemos na nossa história recente”, disse Malan ao Estado, dando adequado tom grave ao atual momento. Há quem acredite ser legítimo brincar com fogo, prometendo magicamente fazer o Brasil ser “feliz de novo”, e há quem considere desnecessárias ou não tão urgentes as reformas que se impõem. Como enfatiza o ex-ministro, saber como se chegou à situação atual é o primeiro e indispensável passo para evitar que esses charlatães triunfem neste momento tão crítico para o País.

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