Dulce Toledo resenha o filme ‘Ensina-me a Viver’
A resenha enviada pela Dulce Toledo inaugura a barraca da Feira Livre reservada a colaborações dos comentaristas. Escrevam o que quiserem, sobre o que quiserem. Resenhas de filmes, livros ou peças de teatro, sugestões de leituras ou viagens, receitas culinárias ou indicações de restaurantes ─ há espaço para tudo isso e muito mais. A bola […]

A resenha enviada pela Dulce Toledo inaugura a barraca da Feira Livre reservada a colaborações dos comentaristas. Escrevam o que quiserem, sobre o que quiserem. Resenhas de filmes, livros ou peças de teatro, sugestões de leituras ou viagens, receitas culinárias ou indicações de restaurantes ─ há espaço para tudo isso e muito mais. A bola está com vocês.
Dulce Toledo
Estava eu revendo um filme com meus alunos (eles, vendo pela primeira vez) e me lembrei de colocar uma resenha sobre ele. Muitos ainda não o viram, outros já o esqueceram, mas é um belo filme. Vamos a ele, depois faço uns comentários.
O filme se chama Harold and Maude (traduzido em português para Ensina-me a Viver), de 1971, dirigido por Hal Ashby, que tem como atores principais Bud Cort, no papel de Harold, e Ruth Gordon, como Maude, indicados para melhor ator e atriz em comédia no 29º Golden Globe Awards.
Órfão de pai, Harold tem 19 anos, uma mãe controladora ao extremo, um tio no exército e pertence a uma família americana rica e tradicional. Faz análise, é católico, já tentou o suicídio 15 vezes. Como diversão, vai a funerais e até dirige um carro funerário. Faz tudo isto para chamar a atenção da mãe, que é uma socialite fútil, mas só consegue fazê-la reagir com impaciência ou indiferença. Harold é parte de uma sociedade onde não tem lá muita importância e existencialmente não tem muito significado.
Maude é uma senhorinha de 79 anos, austríaca, sobrevivente de um campo de concentração, viúva, que mora atualmente na América e adora funerais. Diz que 80 anos é a idade ideal para morrer – “75 é ainda muito jovem e 85 é perda de tempo”. Acredita que a vida deve ser vivida dia a dia por inteiro, sem restrições, sem tristezas. Vive uma vida cheia de significado e faz suas escolhas deliberadamente. Ela fará 80 anos na próxima semana.
Esses dois seres se encontram em um funeral e daí nasce um relacionamento importante: ela o ensina a apreciar a vida e a ser liberto, a usar o tempo para fazer o melhor para si, o prazer da música e de cantar, a tocar banjo, a apreciar a arte. Enquanto isto, sua mãe o coloca em um programa nacional para arranjar-lhe uma noiva.
Tornar-se mais próximo de Maude o faz querer casar-se com ela. Prepara então uma festa surpresa para o seu aniversário, quando pretende pedir-lhe em casamento. Enquanto dançam, Maude diz que tomou uma overdose de pílulas e que, por volta de meia noite, estará morta, reafirmando que 80 anos é a idade ideal para morrer.
A trilha sonora fica a cargo de Cat Stevens que, muito competentemente, assina músicas tais como If you want to sing out, sing out e Don’t be shy – num belíssimo trabalho que, por si, já vale o filme (sou suspeita para falar, já que sou fã de carteirinha deste inglês, filho de pai grego, que virou muçulmano, trocou de nome e desapareceu do show business. E que, 20 anos depois, em 2006, gravou um CD lindo – mas isto é uma outra estória que fica para uma outra resenha).
Voltando ao filme. Na época foi considerado uma comédia de humor negro. Porém, é um filme existencialista, meio sartreano, considerado cult pelos críticos: Harold é a morte, Maude é a vida – simples assim. Como pano de fundo, a guerra do Vietnã, que já era considerada sem sentido, contrastando com a 2ª Grande Guerra representada pela personagem de Maude – intenção do diretor.
Uma comédia romântica que não tem pieguice nem grandes arroubos de paixão – ao contrário: os personagens vão se desenvolvendo com a naturalidade dos esquecidos, dos que não se encaixam na “normalidade”, dos párias que se juntam, se aquecem, se auxiliam e a ligação está feita.
Para quem gosta de humor negro, é diversão garantida. Entretanto, é um filme que fala da alteridade de cada um – e sua unicidade consequente. Pura ternura, puro aprendizado, delicadeza na mão de um diretor que sabia o que estava fazendo.