Deonísio da Silva: Só o português tem feira nos dias da semana
O calendário das nações lusófonas como o Brasil tem, porém, uma singularidade: os dias da semana não homenageiam astros e deuses pagãos
No calendário, os feriados e os dias santificados são marcados em vermelho, cor extraída do vermiculus ou purpura, do Grego porphúra, molusco que fornecia o pigmento para tingir a roupa da gente fina e nobre, como chefes religiosos, chefes políticos, chefes militares, às vezes englobados numa pessoa só. A caça e a pesca da concha, porphúra, tarefas dispendiosas, chegaram a ser proibidas para que somente os poderosos tivessem acesso a essa cor.
Os cardeais da Santa Sé, príncipes e herdeiros da monarquia mais antiga do mundo, vestem vermelho ou púrpura, esta última a cor preferida das altas insígnias da realeza e da magistratura. De resto, tapetes vermelhos são estendidos, literal ou metaforicamente, para personalidades a honrar.
Já os dias úteis são marcados em preto no calendário, palavra que veio do Latim calendarium, originalmente um maço de folhas para anotar as calendae, dias de pagar as contas, quando as autoridades dedicavam-se a calere, convocar a população para fazer os pagamentos devidos, como impostos e taxas.
No calendarium dos romanos, por influência dos etruscos, o ano passou de dez para doze meses. Originalmente, o ano na Roma antiga começava em março, prosseguia com abril, maio, junho, julho, cujo nome anterior era quintilis, e agosto, designado antes por sextilis, e prosseguia com meses cujos étimos igualmente remetem a números.
Todavia, depois de acrescidos os meses de janeiro e fevereiro, o ano passou a ter doze meses. Assim, setembro, o sétimo mês, tornou-se o nono, outubro o décimo, novembro o décimo-primeiro, e dezembro o décimo-segundo, fechando o ano.
O calendário em vigor é chamado de gregoriano em homenagem ao papa Gregório XIII. No século XVI, ele mudou o calendário romano que estava em vigor desde as reformas introduzidas no ano 46 a.C. por Júlio César, chefe militar e estadista da Roma antiga.
Entretanto, foi comprovada uma diferença acumulada de dez dias. Então, por determinação do Sumo Pontífice, foi acertado o tempo no calendário por meio do seguinte recurso: o dia seguinte a 4 de outubro não foi o dia 5, mas, sim, o dia 15. Esta reforma teve, entre outros, os objetivos de fixar corretamente a data da Páscoa e o começo das estações, pois a diferença vinha causando desordens nas festas religiosas e na agricultura.
O calendário das nações lusófonas como o Brasil tem, porém, uma singularidade: os dias da semana não homenageiam astros e deuses pagãos. Como os impérios agora são outros, o Latim dies Solis, dia do Sol, virou Sunday no Inglês, Sonntag no Alemão. A Lua e os planetas Marte, Mércúrio, Vênus, Júpiter e Saturno, antigos deuses romanos, permaneceram no étimo dos dias da semana de várias línguas, como atestam o Francês Lundi, o Espanhol Lunes, o Italiano Vernedí etc.
Menos no Português. Para os lusófonos, com exceção de Sábado, do Hebraico xabbat, pelo Latim Sabbatum, e de Domingo, do Latim Dominicus, adotamos outros nomes, que vão de segunda a sexta-feira.
Este costume está consolidado desde o século VI, ainda no Latim eclesiástico, quando nem existia a língua portuguesa. Por iniciativa do bispo de Braga, Dom Martinho, passamos a designar todos os outros dias pelo Latim feria, que pode ser festa, mas também feira, uma vez que o domingo, dia de festa, era também oportunidade de comércio, por reunir o povo. Ele designou os dias da semana assim no Latim eclesiástico: Feria secunda (2ª. Feira), Feria tertia (3ª. Feira), Feria quarta (4ª. Feira), Feria quinta (5ª. Feira), Feria sexta (6ª. Feira), Sabbatum (Sábado), Dominica Dies (Domingo).
Dom Martinho justificou as novas designações, logo aceitas por Roma, com uma frase muito simples: “Não podemos dar nomes de demônios aos dias que Deus criou”.
*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra