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Augusto Nunes

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Cara ou Coroa: A dona da banca

BRANCA NUNES Ana Maria Domingos Pelegrini tornou-se dona de banca desde muitos anos antes de ser, efetivamente, a dona da banca. Como o marido – noivo, na época – é italiano, e o governo proibia que estrangeiros exercessem esse tipo de atividade, Ana Maria entrou na parada com nome, CPF, foto, endereço e assinatura. Isso […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 05h53 - Publicado em 30 jun 2013, 11h43

BRANCA NUNES

Ana Maria Domingos Pelegrini tornou-se dona de banca desde muitos anos antes de ser, efetivamente, a dona da banca. Como o marido – noivo, na época – é italiano, e o governo proibia que estrangeiros exercessem esse tipo de atividade, Ana Maria entrou na parada com nome, CPF, foto, endereço e assinatura. Isso faz 40 anos.

Foi uma trapaça do destino que a levou para trás – e também para os lados e para frente – do balcão. Ana Paula, a primeira da trinca de filhos de Ana Maria, morreu pouco antes do 23º aniversário, vítima de uma violenta anorexia. “Precisava fazer algo que me deixasse exausta”, resume a mãe. Isso faz 17 anos.

Desde então, ela assumiu a administração da Banca República, na esquina da avenida Ipiranga com a São Luiz, e a transformou numa das 50 melhores bancas de São Paulo. Por ali circulam 3.500 títulos que identificam jornais e revistas do mundo inteiro, guias de turismo, miniaturas de carros, CDs, filmes e livros – o mais recente xodó de Ana Maria. Ela bolou uma espécie de feira do livro nas paredes externas com exemplares vendidos a R$ 10. A experiência fez com que chegasse a uma agradável conclusão: embora se interessem menos por revistas, cuja venda cai anualmente, as pessoas leem – e leem bastante ─ se você oferecer qualidade e bons preços.

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Essa é apenas uma das contradições que dona Ana observou durante a sua vida de jornaleira (embora aparente menos que seus 59 anos, Ana Maria é chamada por todos de dona Ana). “Tenho certeza que algumas pessoas acham que meu nome é ‘Donana’”, brinca. A ex-hippie que se transformou numa sóbria mulher de longos cabelos loiros, frequentadora assídua da Igreja Nossa Senhora da Consolação, aponta outras: “O centro nunca foi tão sujo e, ao mesmo tempo, tão bem frequentado quanto hoje”, exemplifica. “Apesar de bastante deserta à noite, essa é a região da cidade onde me sinto mais segura”, garante. “Nunca existiram tantas revistas diferentes e se comprou tão pouco”.

Desde que, há mais de três décadas, passou a funcionar 24 horas do dia, sete dias por semana, a banca hasteada num dos cantos mais charmosos da Praça da República nunca havia fechado. O ponto fora da curva aconteceu neste 18 de junho, uma terça-feira, quando arruaceiros infiltrados nos atos de protesto pela redução das tarifas do transporte público depredaram a prefeitura e seguiram destruindo e saqueando o centro da cidade. Foram apenas duas horas com as portas baixadas, mas a exceção deixou Ana Maria visivelmente contrariada.

Só a queda nas vendas consegue deixá-la assim contrariada. O problema maior, insiste, não é o financeiro – cerca de 30% do preço de capa vai para o jornaleiro –, mas o significado dessa queda para o país. Ela acha que tal fenômeno resulta da combinação de 20 anos de deterioração da educação com o aumento do aparato tecnológico. “Todo mundo quer muita informação e muito rápida, mas poucos buscam se aprofundar”, resume.

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Um dos maiores baques dos últimos anos foi a interrupção da distribuição do jornal The New York Times. “Vendíamos poucos exemplares, mas era importante tê-lo aqui”, lamenta. “Agora os leitores conseguem acessar pela internet e o distribuidor parou de entregar”.

O fascínio por esse universo agora em mutação foi herdado do sogro. ���Ele dizia que só ficava feliz quando vendia o último jornal”, conta. “É o produto menos rentável que temos, mas o mais significativo. É a prova palpável que a notícia mais recente está circulando”. Apesar disso, Ana Maria evita o otimismo ilusório. “Se a internet realmente acabar com o papel”, vaticina, “a primeira vítima será o jornal”.

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