Adriana Carranca: Le bouffon
Esses jovens estão sendo cooptados por grupos radicais porque são presas fáceis. Basta dar-lhes uma ideologia que os transforme em alguém importante
Publicado no Globo
Perguntamos: por quê? E queremos respostas. O terrorismo religioso é a mais fácil delas. Serve tanto às autoridades quanto à propaganda de grupos extremistas como o Estado Islâmico (EI). Mas a história de Mohamed Lahouaiej Bouhlel — o motorista de origem tunisiana que avançou com um caminhão sobre a multidão no balneário francês —, como a de uma nova geração de terroristas, não se encaixa na narrativa do muçulmano radical contra o Ocidente infiel.
Bouhlel não era um homem religioso. Estava separado da mulher, com quem teve três filhos. Frequentava bares e casas noturnas, bebia e fumava haxixe. Seu nome não constava na lista de extremistas monitorados pela Inteligência francesa, mas em outra: ele tinha uma série de passagens pela polícia por crimes comuns, como porte ilegal de arma e roubo. Perdera o emprego por dormir ao volante, provocando um acidente envolvendo quatro carros em uma rodovia. Foi condenado à prisão em janeiro, após uma briga.
Era le bouffon — expressão francesa que se assemelha ao loser (fracassado) da gíria em inglês. Talvez por isso, por se sentir um perdedor, tenha decidido matar no dia em que se celebrava uma vitória para franceses, a Queda da Bastilha. Gauhlel era um homem problemático e violento.
É um perfil semelhante ao dos responsáveis pelos piores e mais recentes atentados terroristas na Europa. Conhecido como o mentor de ataques na França e na Bélgica, entre eles o que deixou 130 mortos em novembro, em Paris, o belga Abdelhamid Abaaoud, morto pela polícia, tinha um histórico de passagens por crimes e abuso de drogas, assim como seus comparsas.
Esses jovens estão sendo cooptados por grupos radicais porque são presas fáceis. Basta dar-lhes uma bandeira, uma ideologia que justifique seu comportamento e os transforme em alguém importante, para se ter a fórmula letal que os terroristas buscam.
Abaaoud passou por três prisões antes de ser alçado a líder de uma célula terrorista na Bélgica, sequestrar o irmão, de 13 anos, e se aventurar com ele nas linhas de combate do EI na Síria.
Ele e Salah Abdeslam, responsável pela logística dos ataques de novembro, cresceram no subúrbio de Molenbeek, conhecido como celeiro de jihadistas porque salafistas veteranos encontraram entre jovens criminosos locais um terreno fértil para disseminar sua ideologia radical. Em 2010, os dois foram presos por roubos.
Abdeslam já era conhecido da polícia. Ele e o irmão Brahim, um dos suicidas, eram donos de um bar fechado pelas autoridades por ser ponto de drogas. A polícia chegou a Adbeslam, após os atentados, por escutas telefônicas da jovem Hasna Ait Boulahcen, monitorada pelas autoridades não por suspeita de terrorismo, mas de fazer parte de uma rede de traficantes.
Omar Ismail Mostefai, o suicida do Bataclan, fora condenado oito vezes entre 2004 e 2010 por crimes comuns.
Os terroristas de Paris tinham contato com Mehdi Nemmouche, o franco-argelino que matou quatro pessoas no Museu Judaico de Bruxelas, em maio de 2014. Ele teria se convertido na última de três passagens pela prisão, entre 2007 e 2012.
Foi também na prisão que os irmãos Said e Chérif Kouachi, responsáveis pelo ataque ao semanário “Charlie Hebdo”, em janeiro de 2015, se converteram, após um passado de envolvimento com gangues e crimes. Eles teriam sido influenciados por Djamal Beghal, condenado no início de 2001 por planejar um atentado à bomba contra a embaixada americana em Paris e destacado pela al-Qaeda para abrir uma frente terrorista na Europa.
Na prisão, ele teria convertido e radicalizado uma geração de jovens, entre os quais o britânico Richard Reid, que tentou explodir um avião na rota Paris-Miami com um sapato-bomba, e o francês de origem marroquina Zacarias Moussaoui, condenado à prisão perpétua nos EUA por envolvimento no 11/9.
O passado de fracasso e crimes é certamente um denominador comum entre novos terroristas que tem sido ignorado pelas autoridades. “Um dia, você vai ouvir falar de mim”, respondeu Bouhlel a um amigo quando este lhe disse que ele “não valia nada”, um dia antes da matança em Nice.