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Augusto Nunes

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A noite em que Jânio Quadros apareceu na casa do meu pai

Ele chegou à noitinha. O comício na praça estava começando, mas o astro só entraria em cena para o final apoteótico. O governador Jânio Quadros, em campanha para fazer de Carvalho Pinto o  sucessor, tinha tempo para a pausa na casa do doutor Adail Nunes da Silva, prefeito de Taquaritinga, chefe municipal da tribo da […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 14h39 - Publicado em 3 ago 2010, 18h17
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Jânio com o prefeito (à dir.)

Ele chegou à noitinha. O comício na praça estava começando, mas o astro só entraria em cena para o final apoteótico. O governador Jânio Quadros, em campanha para fazer de Carvalho Pinto o  sucessor, tinha tempo para a pausa na casa do doutor Adail Nunes da Silva, prefeito de Taquaritinga, chefe municipal da tribo da vassoura e meu pai. Nessa ordem.

Os carros da comitiva arquejavam havia horas nos caminhos de terra, eram poucas as estradas asfaltadas naquele agosto de 1958. Mas Jânio chegou esbanjando energia, pronto para varar a madrugada pendurado em palanques. Tinha pouco mais de 40 anos. E, pela proa, a Presidência da República.

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Invadiu a sala ao lado do meu pai, escoltado por morubixabas conhecidos e seguido pela procissão de devotos. Formou-se um círculo em torno da mesa de jantar para a contemplação do mito sentado à cabeceira. Jânio parecia sedento: enquanto jantava, traçou meia garrafa do velho Palhinha, derrubado com a animação de quem enfrenta o melhor conhaque francês.

Comeu bastante, falou sem parar e bebeu com formidável competência. Os parentes mais velhos testemunharam nas fila do gargarejo a apresentação do artista. Ali não havia vaga para um menino de oito anos. Misturado à platéia, equilibrei-me na ponta dos pés e acompanhei como pude a performance da celebridade que eu via pela primeira vez Jânio ao vivo. Achei-o meio doidão, mas não disse nada. Naqueles tempos, como os bichos, moleques não falavam. Principalmente quando gente grande conversava por perto.

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Comício em Taquaritinga: a espantosa passagem da lenda

Terminado o jantar, a lenda aproximou-se da minha mãe e fez o pedido que, descontados o sotaque incomparável e a linguagem empolada, era igual ao murmurado pelos pedintes que aportavam todo dia na varanda:

─ A caríssima senhora primeira-dama poderia fazer-me o favor de preparar um sanduíche de mortadela?

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Dona Biloca reagiu com a naturalidade possível. Habituada a conviver com políticos, achava que a todos (começando por meu pai) faltavam parafusos. E já ouvira falar do truque do sanduíche, uma das invenções do grande populista. Mas não conseguiu disfarçar a surpresa. O homem acabara de jantar (e muito bem). Como podia pedir, logo depois da sobremesa e sem vestígios de constrangimento, um sanduíche de mortadela?

Jânio enfiou no bolso direito do paletó a encomenda, embrulhada num guardanapo de papel, despediu-se entre mesuras e mesóclises, caminhou para o palanque montado a meia quadra de distância e subiu ao palco por trás. Um burburinho avisou que a atração principal acabara de chegar. Ele assumiu o lugar de honra na linha de frente quando discursava o deputado Emilio Carlos, que sempre precedia a oração do chefe. Ótimo orador, craque dos palanques, Emílio Carlos interrompeu a frase no meio para que a aclamação explodisse.

Jânio começou a acenar canhestramente, cabelos em desalinho emoldurando o sorriso que lembrava um esgar. Fez sinal para que Emílio Carlos prosseguisse. Capturou o sanduíche de mortadela e, com cara de retirante nordestino, devorou-o com meia dúzia de dentadas. Estava pronto para apossar-se do microfone e encerrar o comício com um pronunciamento inesquecível.

Meu pai voltou para casa eufórico.

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─ Esse homem vai ser presidente ─ avisou o doutor Adail.

─ Esse homem é maluco ─ avisou dona Biloca.

Os dois estavam certos.

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