A noite em que Aureliano Chaves quis sair no braço com quatro jornalistas da Veja (parte 1)
Publicado em 21 de abril O avião flutua poucos metros acima da pista do Aeroporto da Pampulha quando ouço José Roberto Guzzo, sentado uma fileira à frente, fazendo a pergunta em voz baixa: ─ Quem vai levantar o assunto da doença? ─ quer saber o diretor de redação da revista VEJA do diretor-adjunto Elio Gaspari, […]

O avião flutua poucos metros acima da pista do Aeroporto da Pampulha quando ouço José Roberto Guzzo, sentado uma fileira à frente, fazendo a pergunta em voz baixa:
─ Quem vai levantar o assunto da doença? ─ quer saber o diretor de redação da revista VEJA do diretor-adjunto Elio Gaspari, que lê um jornal na poltrona ao lado.
Pressinto a aproximação do perigo. No fim da tarde de 2 de fevereiro de 1984, estamos chegando a Belo Horizonte para uma conversa com o vice-presidente Aureliano Chaves, um dos três pré-candidatos do PDS à sucessão do general-presidente João Figueiredo. Aquele mineiro de pavio curto é o tema da próxima capa da revista, e a reportagem vai contar se são procedentes ou não os rumores de que anda sofrendo convulsões atribuídas à epilepsia. Entendo que Guzzo e Elio estão prestes a escolher o encarregado da missão de alto risco. Desconfio de que serei vítima da hierarquia. E uso as prerrogativas de redator-chefe para afastar de mim aquele cálice.
─ O Scarta conversa muito bem com o Aureliano ─ aparteio. ─ Ele cuida disso.
Guzzo e Elio retomam sem comentários a leitura dos jornais. Deduzo que quem cala consente e me cumprimento em silêncio por ter repassado a bola para Scarta, como é chamado pelos amigos o jornalista A. C. Scartezini, repórter da sucursal de Brasília. Alheio à pequena traição que acaba de sofrer, ele está à nossa espera no aeroporto. Nem imagina que foi o escolhido. Tampouco Aureliano, que aguarda no seu apartamento a visita marcada para as oito da noite, pode imaginar que, pela primeira vez, a conversa vai invadir o território interditado. A invasão será anunciada por Scarta, acaba de avisar José Roberto Guzzo no banco da frente do carro que segue para o endereço de Aureliano.
─ Entre nessa história no fim da entrevista ─ diz o diretor de redação. ─ E não fale em epilepsia. Só pergunte se é verdade que ele tem alguma disritmia neurológica.
A tranquilidade aparente de Scarta me deixa em dúvida. Ou meu amigo é um bravo ou não sabe direito o que é disritmia neurológica. Também não sei. Mudamos de assunto até chegar ao prédio de um apartamento por andar. Aureliano abre a porta do elevador. Explica que está sozinho e por isso, infelizmente, só pode servir água. Mau começo de noite, penso. Ele se acomoda num sofá, Guzzo e Elio em outro, Scarta e eu ocupamos duas poltronas. Começa a entrevista.
Cinco minutos de amenidades depois, Scarta quer saber se Aureliano vai usar o jatinho da vice-presidência nas viagens como candidato à sucessão de Figueiredo. E então se desencadeia, repentina e ruidosamente, a sequência de espantos.
─ Essa pergunta é idiota! ─ explode o anfitrião subitamente rubro de cólera. ─ Não me faça perguntas idiotas! ─ continua agora aos berros e já erguendo do sofá o corpanzil de halterofilista aposentado.
No segundo seguinte, os jornalistas estão dizendo que houve algum mal-entendido, ninguém quis ofender o vice-presidente, ele que desculpe possíveis agravos. Aureliano vai baixando o tom de voz mas segue fuzilando Scarta com um olhar de hospício. Volta a sentar-se uns três minutos mais tarde. Mas a respiração descompassada informa que ainda não está posto em sossego.
Era só o começo, saberemos no segundo e último capítulo deste relato sobre a assombrosa noite de fevereiro em que Aureliano Chaves, várias vezes presidente interino do Brasil, quis sair no braço com quatro jornalistas.