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Editorial do Estadão: Absurdo dobrado

O fundo que financia campanhas eleitorais com dinheiro público nem deveria existir, mas pode mais que dobrar

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 19h34 - Publicado em 16 jul 2019, 09h59

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha poderá receber até R$ 3,7 bilhões no ano que vem, um acréscimo de R$ 2 bilhões em relação ao valor estabelecido no ano passado. É o que prevê o parecer do relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Cacá Leão (PP-BA). Com isso, o tal fundo que financia campanhas eleitorais com dinheiro público, que nem deveria existir, pode mais que dobrar de tamanho – dobrando igualmente o absurdo que é exigir dos contribuintes que sustentem partidos e candidatos pelos quais não têm a menor simpatia.

O relatório destina para as emendas parlamentares de bancada 1% da receita corrente líquida prevista para este ano, o que dá algo em torno de R$ 8,4 bilhões. É dessas emendas que sai o dinheiro para o Fundo Eleitoral. Conforme o texto do relator, 44% do valor das emendas irão para o Fundo Eleitoral, que alcançaria os R$ 3,7 bilhões previstos. No ano passado, a previsão era de 30% das emendas, ou R$ 1,7 bilhão.

Com a aprovação, no mês passado, da Proposta de Emenda Constitucional do Orçamento Impositivo, essas emendas passaram a ser de execução obrigatória. O deputado Cacá Leão disse que o aumento da destinação de recursos para o Fundo Eleitoral é apenas uma autorização – como é, a rigor, todo o Orçamento – e que o valor definitivo será discutido na Lei de Orçamento Anual (LOA) de 2020, a ser votada até o final do ano. O parlamentar sustenta que havia uma demanda de todos os partidos para que se estabelecesse um parâmetro maior para o Fundo Eleitoral. O argumento é que as eleições municipais de 2020, por terem um número de candidatos muito maior do que as eleições do ano passado, exigirão dos partidos um dispêndio igualmente maior de recursos.

O valor, embora acintoso, é o menor dos problemas tanto no caso do Fundo Eleitoral como no caso do Fundo Partidário, que se presta a cobrir despesas dos partidos políticos. A questão central é que os partidos, que são entidades privadas, encontraram maneiras de bancar seus gastos à custa do esforço alheio, isto é, dos cidadãos que pagam impostos.

O Fundo Partidário, criado em 1965, durante a ditadura militar, recebe principalmente dotações orçamentárias. Ou seja, quem decide o montante são os partidos, que têm sido generosos consigo mesmos, como prova o crescimento exponencial desse fundo. Em 1996, o fundo distribuiu R$ 200 milhões, em valores corrigidos pelo IPCA; neste ano, o valor chegou a R$ 927,7 milhões. Zero investimento, por mais agressivo que seja, dá esse retorno.

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A generosidade em causa própria é a mesma em relação ao Fundo Eleitoral, criado em 2017 como resposta à proibição, por parte do Supremo Tribunal Federal, de doações empresariais para financiar campanhas eleitorais. Se aprovado o aumento previsto, o montante de dinheiro público destinado a esse fim saltará do R$ 1,7 bilhão contabilizado na eleição de 2018 para R$ 3,7 bilhões para a eleição do ano que vem.

Nada justifica tal evolução desses gastos, especialmente ante a crise fiscal crônica do País. Os partidos políticos, como entidades privadas, precisam se financiar com recursos de seus simpatizantes, e para isso é necessário que apresentem fundamentos sólidos e capacidade de arregimentar apoio – isto é, que representem os anseios das parcelas da população que pretendem defender. Com o dinheiro fácil dos Fundos Partidário e Eleitoral, nada disso é necessário, o que explica a indigência programática da maioria dos partidos hoje em atividade. Fundar partidos tornou-se um bom negócio – e não é à toa que, além dos 33 partidos hoje em atividade no País, há outras 73 agremiações em processo de formação.

Assim, a pretexto de “financiar a democracia”, o Estado colabora decisivamente para distorcer o sistema de representação, ao estimular a criação de partidos sem qualquer lastro ideológico. Não há democracia que se realize plenamente com tamanha fragmentação partidária e sem que o eleitor seja estimulado a assumir o seu papel, não só na hora de votar, mas na hora de financiar o partido com o qual se identifica.

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