Digital Completo: Assine a partir de R$ 9,90
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

‘Tudo em javanês’, por J. R. Guzzo

PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA J. R. GUZZO O artigo 13 da Constituição em vigor determina que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. É um  mandamento de utilidade duvidosa, considerando- se que todo mundo sempre soube que aqui se fala o português ─ até 1988, aliás, o  Brasil não tinha nenhum “idioma oficial” estabelecido […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 07h24 - Publicado em 18 nov 2012, 10h36

PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA

J. R. GUZZO

O artigo 13 da Constituição em vigor determina que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. É um  mandamento de utilidade duvidosa, considerando- se que todo mundo sempre soube que aqui se fala o português ─ até 1988, aliás, o  Brasil não tinha nenhum “idioma oficial” estabelecido em lei, e jamais se notou problema algum por causa disso durante os 500 anos  anteriores. Tudo bem: numa Constituição que tem 250 artigos e mais uma prodigiosa quantidade de “incisos” ─ só o artigo 5° tem 78 ─, umas palavras a mais ou a menos não vão machucar ninguém.

Mas, já que nossa lei mais importante determina que o português é a língua oficial do país, obrigatória nos atos públicos, no ensino, nas placas de trânsito e assim por diante, imagina-se que ela deveria ser falada e  escrita corretamente, ou pelo menos de maneira compreensível, por todos os que tenham a responsabilidade de resolver alguma coisa.  Eis aqui, porém, mais uma questão na qual se faz, na vida prática, justamente o contrário do que a lei manda fazer.

Continua após a publicidade

O curioso é que esse tipo de postura comece justamente onde menos deveria começar ─ nas nossas altas cortes de Justiça. É o caso, como milhões de brasileiros estão sentindo justamente agora, e com direito a transmissão ao vivo, da linguagem utilizada pelos ministros do  Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. Nunca, em toda a sua história, o STF viveu um momento de maior prestígio.  Nunca tantos brasileiros viram com os próprios olhos o tribunal em ação. Nunca ele foi tão aplaudido por mostrar-se independente, capaz  de condenar gente poderosa na máquina do governo e provar que não se assusta com ameaças ao tomar suas decisões.

Deveria ser uma  oportunidade de ouro, assim, para a população entender como a Justiça pode de fato funcionar no Brasil. A chance foi desperdiçada. O  STF realizou seu trabalho essencial, sem dúvida ─ mas os ministros fizeram tanta questão de falar “difícil” durante o julgamento que  acabaram se tornando perfeitamente incompreensíveis para quem os via e ouvia.

Os dez ministros do STF sabem muito bem que três quartos da população brasileira não são capazes de entender direito o que leem ─ que esperança poderiam ter, então, de que alguém conseguisse entender o que estavam dizendo? Falou-se, no julgamento, em “vértice  axiológico”, “crivo probatório” e “exordial acusatória”. Ouviram-se as palavras “subsunção”, “vênia” e “colendo”. Apareceu o verbo  “infirmar”. Em certo momento, um dos ministros falou em “egrégio sodalício”. Que raio de língua seria essa?

Continua após a publicidade

Latim não é, mesmo porque  os ministros não sabem falar latim. Não é nenhum idioma estrangeiro que se conheça. Também não é português. Os sons lembram  vagamente a língua falada no Brasil, e as palavras utilizadas estão nos dicionários do nosso idioma oficial. Mas, se nem o 1% mais instruído  da população nacional entende algo desse patuá, o resultado prático é que o julgamento mais importante da história do STF acabou sendo  feito numa linguagem desconhecida. Daria na mesma, no fundo, se tivessem falado em javanês ─ tanto que foi indispensável, para os  meios de comunicação, armar uma espécie de serviço de tradução simultânea para as pessoas ficarem sabendo se o réu, afinal, estava  sendo condenado ou absolvido.

O português tem cerca de 200 000 palavras ─ mais do que o suficiente, portanto, para Suas Excelências encontrarem termos de  compreensão mais fácil. Decidiram fazer justo o contrário: não perderam uma única oportunidade de substituir toda e qualquer palavra  clara por outra que ninguém entende. Para que isso? Uma sentença não fica mais justa porque é escrita nessa linguagem torturada. É  óbvio que num congresso de física molecular, cirurgia neurológica ou prospecção de petróleo os participantes têm de usar termos  técnicos em sua conversa; são até obrigados a isso, para trabalhar com eficiência. Juristas podem fazer exatamente o mesmo, nos seus  encontros profissionais. Mas magistrados exercem uma função pública ─ e isso exige que falem para o público, e não apenas para si  mesmos.

Um dos mais antigos princípios do direito universal determina que ninguém pode alegar, em sua defesa, que desconhece a lei. Mas para conhecer a lei é indispensável que o cidadão entenda o que está escrito nela ─ e nossos juristas, com o seu linguajar, fazem o possível para torná-la incompreensível. Imaginam, com isso, que estão exibindo sua sabedoria para o mundo. Estão apenas mostrando sua recusa, ou incapacidade, de se expressar no idioma oficial do país.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.