Digital Completo: Assine a partir de R$ 9,90
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

‘O urro e a dor’, um texto de Roberto Pompeu de Toledo

Publicado na edição impressa de VEJA ROBERTO POMPEU DE TOLEDO O jogador Arouca, do Santos, dava entrevistas ao final do jogo contra o Mogi Mirim, pelo Campeonato Paulista de futebol, quando começou a ser chamado de macaco por torcedores nas arquibancadas. Arouca é um negro elegante, dentro e fora do campo de jogo, que ostenta orgulhosamente sua negritude no cabelo arrumado ao estilo […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 04h12 - Publicado em 23 mar 2014, 21h30

Publicado na edição impressa de VEJA

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

O jogador Arouca, do Santos, dava entrevistas ao final do jogo contra o Mogi Mirim, pelo Campeonato Paulista de futebol, quando começou a ser chamado de macaco por torcedores nas arquibancadas. Arouca é um negro elegante, dentro e fora do campo de jogo, que ostenta orgulhosamente sua negritude no cabelo arrumado ao estilo rastafári. Ao ouvir os gritos, desconcertou-se. Justamente naquela noite, em que tinha marcado o mais belo gol do jogo, e um dos mais belos da carreira, disparando um chute “de voleio”, com as duas pernas no ar, vinha a ser alvo do ódio selvagem. A torcida do seu time o tinha saudado com o grito de “Arouca na seleção”. Os imbecis da arquibancada agora diziam que seleção, para ele, só se for de país africano. O momento de desconcerto, em que interrompe a entrevista, se atrapalha e se cala, revela a enormidade do golpe. Antes de revolta, é a perplexidade que o toma. Fora atingido por um raio.

Dias antes, o juiz Márcio Chagas da Silva, que apitava o jogo entre os times do Esportivo e do Veranópolis, pelo Campeonato Gaúcho, na cidade de Bento Gonçalves, foi xingado por hordas que, não contentes, riscaram seu carro e o emporcalharam com cascas de banana. A última do futebol brasileiro é, em troca dos jogadores que vende para a Europa, importar os xingamentos racistas que se ouvem por lá. Como combater o racismo nos estádios? Como combater o racismo em geral? Não há resposta fácil para tais questões. No caso de Arouca, a Federação Paulista de Futebol reagiu rápido, interditando o estádio do Mogi Mirim pelo tempo que durar um inquérito a respeito do ocorrido, com a possibilidade de a interdição se prorrogar dependendo das conclusões do inquérito. A medida foi contestada. A punição deveria se restringir aos culpados, não a toda uma coletividade. Entre uma tese e outra, o colunista Hélio Schwartsman, da Folha de S. Paulo, apresentou uma terceira. Amparado no filósofo Stuart Mill, defendeu a ideia de que “mesmo os piores preconceitos precisam ter sua circulação assegurada”, para que, expostos à plena luz, possam ser contestados e vencidos. De outro modo, as respostas a tais preconceitos arriscam ser percebidas elas próprias como “simples preconceitos, sem base racional”.

Continua após a publicidade

O argumento é inteligente, e impecavelmente coerente com a visão liberal de circulação o mais desimpedida possível das ideias. Ocorre que, no caso do racismo, não se está tratando com seres racionais. Como vencê-los pelas ideias? Campanhas não faltam. No Brasil e no mundo espalhou-se amoda de exibir faixas e acender letreiros contra o racismo nos estádios. Ao mesmo passo, multiplicam-se os atos de racismo. Dá até para desconfiar que as campanhas os estimulam. Acresce que o racista do estádio não se exprime por ideias. Sua arma é o xingamento. Nessas circunstâncias, e considerando a habitual incapacidade dos investigadores brasileiros de individualizar os culpados, a interdição dos estádios é o que resta. A desproporção da pena é uma vantagem; garante a repercussão da punição.

Sobra, como ponto último e íntimo da questão, a dor de ser alvo de atos e palavras racistas. Outra vítima, o jogador Tinga, do Cruzeiro, num jogo recente contra o Real Garcilaso, do Peru, era saudado em uníssono com gritos imitando macaco toda vez que pegava na bola. Seu filho, segundo Tinga contou depois, assistia ao jogo pela televisão. A muitos filhos e muitas mães tem ocorrido o mesmo. Esportistas, depois de uma jornada de triunfo, gozam da delícia de ser conduzidos ao sono pelo filminho em que passam e repassam a proeza do dia. Arouca, naquela noite, teve o filminho de seu voleio sufocado pelos gritos de “macaco”.

A peça Jesus Cristo Superstar está voltando ao cartaz em São Paulo trazendo no papel-título um ator com a estupenda cabeleira de sempre, corpo de atleta, pele clara e olhos que pelas fotos parecem claros. Os pintores do Renascimento terem elegido tal tipo para representar um judeu da Palestina do século I é racismo lá deles, que a história da pintura consagrou e o tempo apagou. Já numa peça moderninha, que pretende apresentar um Jesus “humanizado”, insistir no modelo equivale a pecar pela base.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.