‘Dramas, comédias e farsas’, um texto de Nelson Motta
Publicado no Globo desta sexta-feira NELSON MOTTA A cena obscena de centenas de deputados, com seus cabelos pintados, seus gritos de júbilo e seus punhos cerrados, comemorando o fim do voto secreto, é uma imagem histórica do cinismo e da hipocrisia no Brasil. Só faltou cantarem o Hino Nacional. Boa parte deles havia permitido a […]
Publicado no Globo desta sexta-feira
NELSON MOTTA
A cena obscena de centenas de deputados, com seus cabelos pintados, seus gritos de júbilo e seus punhos cerrados, comemorando o fim do voto secreto, é uma imagem histórica do cinismo e da hipocrisia no Brasil. Só faltou cantarem o Hino Nacional. Boa parte deles havia permitido a manutenção do mandato do deputado-presidiário Natan Donadon, assim como em 2006, pressionados pela explosão do mensalão, 452 colegas já haviam aprovado o mesmo projeto, mas só em primeiro turno, na certeza de que não haveria o segundo. Agora tiveram que votar, mas sabendo que o Senado vai manter o voto aberto só para cassações de mandatos.
Com certeza eles superam qualquer ficção, mas a grande dúvida é: drama, comédia ou farsa? Ou tudo junto e misturado? Será que eles não sentem vergonha com a família, os amigos, os vizinhos, o dentista? A quem eles pensam que enganam? Ou seria uma manada desgovernada lutando pela sobrevivência política, mesmo ao custo de alguma humilhação pública e na esperança de um próximo escândalo para esquecerem do assunto?
Tenho respeito e sinto pena dos homens e mulheres de bem que representam honestamente seus partidos e eleitores tendo que conviver com os 300 picaretas que Luiz Inácio falou, e de lá para cá só aumentaram. É óbvio: num ambiente desses é muito mais fácil um novato honesto se corromper pelas oportunidades, facilidades e vaidades do que um corrupto se regenerar, no que seria uma espécie de cura gay política.
Enquanto isso, na mesma Esplanada, desenvolve-se outro drama, comédia ou farsa? Todos concordam, é intolerável ter sua privacidade invadida, decisões estratégicas interceptadas, interesses do país ameaçados, mas todos sabem que desde sempre todo mundo tenta espionar todo mundo com todos os meios de que dispõe, agentes, tecnologia, dinheiro, afinal, todos estão defendendo a sua segurança e soberania. A única regra é não ser flagrado.
O que fazem os serviços de inteligência brasileiros? O que fariam se o Brasil fosse alvo do terrorismo internacional? Na era da internet espiona quem pode, defende-se quem for capaz. Bem vindos ao século 21.