Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

‘Dilma, ele assina em teu nome’, um artigo de Demétrio Magnoli

PUBLICADO NO GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA Demétrio Magnoli O ditador Bashar Assad encontrou nos enviados do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) os bonecos de ventríloquo ideais para transmitir ao mundo a sua versão dos eventos sangrentos em curso na Síria. O comunicado final da delegação, um dos documentos mais abjetos jamais firmados pelo Brasil, […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 11h02 - Publicado em 19 ago 2011, 12h48

PUBLICADO NO GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA

bashar-assad-20110805-size-598

Demétrio Magnoli

O ditador Bashar Assad encontrou nos enviados do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) os bonecos de ventríloquo ideais para transmitir ao mundo a sua versão dos eventos sangrentos em curso na Síria. O comunicado final da delegação, um dos documentos mais abjetos jamais firmados pelo Brasil, pinta o cenário de um regime engajado na sua reinvenção democrática, mas assediado pela violência de grupos armados opositores. A assinatura brasileira converte Antonio Patriota em cúmplice de um Estado policial que se dedica à matança de sua população. Patriota, contudo, é funcionário de Dilma Rousseff. A assinatura dele é a dela. O Itamaraty difunde a narrativa oficial síria, segundo a qual o derramamento de sangue deve-se à violência de setores da oposição. Há, nisso, uma nota sinistra, só audível para quem conhece o passado recente da Síria. Refiro-me a Hama e a fevereiro de 1982. Naquela cidade sunita, operavam guerrilheiros islâmicos que combatiam o regime de Hafez Assad, pai de Bashar. Após uma emboscada dos rebeldes contra forças militares, o ditador ordenou o bombardeio de toda a cidade, por terra e ar. Num tempo anterior à internet e aos celulares, há escassas, mas pungentes, imagens do resultado. No fim, Hama parecia as cidades alemãs extensivamente bombardeadas na guerra mundial.

Um dos filhos do ditador supervisionou o ataque e se gabou de matar quase 40 mil pessoas, uma cifra confirmada pelas estimativas independentes. Quando os escombros ainda ardiam, o governo vazou para a imprensa libanesa a notícia das dimensões da carnificina, enviando uma mensagem ao povo sírio. A mensagem foi decodificada, em muitos sentidos. Até há pouco, aos murmúrios, os sírios se referiam ao massacre por meio de um sombrio eufemismo: “os incidentes de Hama”. Agora, enfrentando munição real, os manifestantes voltam às ruas num ânimo quase suicida pois sabem que só têm a alternativa de derrubar o regime. Patriota deveria ter a decência de pensar duas vezes antes de colar o selo do Itamaraty sobre a versão de Damasco: na linguagem dos Assad, a expressão “gangues terroristas” é a senha para aplicar a “lei de Hama”.

Continua após a publicidade

Além de tudo, a versão é falsa. No 17 de julho, uma conferência nacional de 450 líderes opositores, laicos e religiosos, conclamou à desobediência civil pacífica. O regime respondeu armando 30 mil milicianos da minoria alauita, a fim de reconfigurar o cenário como um conflito sectário. Artilharia, tanques e navios alvejam Hama, Homs, Deir ez-Zor e Latakia. O saldo provisório já atinge 2 mil mortos. Líderes da tribo Baqqara, de Deir ez-Zor, autorizaram o uso de armas contra incursões assassinas do Exército, de casa em casa, que não poupam crianças. Vergonha: o gesto desesperado de pessoas acuadas serve como o pretexto para Patriota reverberar a senha de uma ditadura inclemente.

Pretexto é a palavra certa. O Itamaraty não se importa com os fatos: segue uma agenda ideológica. A Constituição prescreve, no artigo 4, que o Brasil “rege-se, nas suas relações internacionais” pelo princípio da ‘prevalência dos direitos humanos’”. Dilma prometeu respeitar o artigo constitucional. O compromisso, expresso num voto contra o Irã, não resistiu a um outono. Em março, a abstenção na resolução da ONU de intervenção na Líbia evidenciou uma oscilação. Em junho, a recusa da presidente em receber a dissidente iraniana Shirin Ebadi, Nobel da Paz, sinalizou o recuo. No 3 de agosto, a rejeição a uma condenação da Síria no Conselho de Segurança da ONU concluiu a restauração da política de Lula, Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia. No seu desprezo inigualável pelo mandamento constitucional, o comunicado do Ibas equivale a uma celebração orgiástica da velha ordem.

Num “Roda Viva” da TV Cultura, indaguei a Celso Amorim sobre os motivos do governo para ignorar sistematicamente o artigo 4 da Constituição. O então ministro do Exterior retrucou invocando o princípio da autodeterminação dos povos e da não intervenção, contemplados no mesmo artigo, mas em posição inferior. A resposta vale tanto quanto as promessas reformistas de Assad. Na verdade, como fica explícito num livro do ex-secretário-geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães, a linha do governo deriva de uma curiosa tradução do objetivo de promover a “multipolaridade” nas relações internacionais. “Multipolaridade”, no idioma de nossa atual cúpula diplomática, exige a redução da influência global dos EUA – o que solicitaria o apoio brasileiro aos regimes antiamericanos, sejam eles quais forem.

Continua após a publicidade

A Turquia perdeu a paciência com a Síria e exigiu uma imediata retirada militar das cidades assediadas. Sob pressão popular, governos árabes condenam, sem meias palavras, a selvagem repressão. O Egito alertou Damasco sobre a ultrapassagem de um “ponto de não retorno”. Nas ruas do Cairo e de Beirute, manifestações pedem o isolamento de Assad. Longe da região, irresponsável, alheio às obrigações assumidas pela comunidade internacional, o governo brasileiro se converte num dos últimos bastiões de um Estado policial sanguinário. Desse modo, numa única tacada, viola um elevado princípio constitucional da nossa democracia e agride o interesse nacional, afastando-nos da meta legítima de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Não há muito a fazer. A Comissão de Relações Exteriores do Senado é presidida por um neolulista chamado Fernando Collor. A oposição renunciou ao confronto político de ideias, limitando-se à pescaria de ocasião na lagoa pútrida da corrupção nos ministérios. Os intelectuais de esquerda, sempre prontos a fulminar com os raios de sua fúria santa os desvios retóricos do editorial de um grande jornal, não produzem manifestos de contestação aos atos do lulopetismo – ainda mais se justificados pela doutrina do antiamericanismo. Resta escrever: atenção, Dilma, Patriota assina em teu nome!

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.