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Augusto Nunes

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‘A bolsa ou a vida’, de Fernando Gabeira

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA FERNANDO GABEIRA O boato sobre o fim do Bolsa Família agitou a vida política do Brasil. Fomos obrigados a contemplar a importância dos boatos na política e alguns cronistas chegaram a sugerir livros sobre o tema. Eu mesmo fui remetido às leituras do meio da década dos anos 70: Política […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 06h04 - Publicado em 7 jun 2013, 17h04

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA

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FERNANDO GABEIRA

O boato sobre o fim do Bolsa Família agitou a vida política do Brasil. Fomos obrigados a contemplar a importância dos boatos na política e alguns cronistas chegaram a sugerir livros sobre o tema. Eu mesmo fui remetido às leituras do meio da década dos anos 70: Política e Crime, de Hans Magnus Enzensberger. Ele destaca o boato num dos ensaios: Wilma Montesi, a vida depois da morte. No caso, o cenário era a Itália e os rumores após a morte de uma mulher quase levaram o país a uma guerra civil. O boato no Brasil foi apenas um susto de fim de semana. Mas o psicodrama que desencadeou mostrou um governo tenso e desorientado. Forçado por uma trapalhada oficial, teve de confrontar uma hipótese impensável: o fim do Bolsa Família.

A reação da ministra Maria do Rosário foi a mais tradicional, sobretudo entre governos autoritários: apontar os culpados de sempre, a oposição. No passado era pior. Os governos apontavam os culpados de sempre, mas prendiam também os suspeitos de sempre. Alguns líderes de esquerda, na guerra fria, eram retirados de circulação nas vésperas de grandes datas. Alguns já esperavam, resignadamente, a polícia com a muda de roupa, escova de dente e o maço de cigarros.

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A reação de Maria do Rosário foi mais linear. A de Dilma Rousseff é mais complexa. Ela considerou o boato um crime monstruoso. E não há dúvida de que poderia levar dor, tristeza e até matar gente do coração. Felizmente, isso não aconteceu. Brecht dizia: pobre do povo que precisa de heróis. Não se interessou pelo destino dos heróis que precisam de um povo para salvar. Lembro-me do exílio, de algumas senhoras da Anistia Internacional que lutavam para liberar presos em outros países e se correspondiam com eles. Uma delas, quando seu preso foi solto, caiu em depressão. Afinal, era o seu preso, tantos anos dedicados a ele e, agora, a benfeitora teria o vazio diante de si.

A revelação mais importante do episódio foram as filas dos que recebem Bolsa Família. Nunca os tínhamos visto em grande número. Nem o PT, talvez. Cada um tirou suas conclusões do que viu. Muita gente parecia na fronteira, o que, no caso do Bolsa Família, significa porta de saída. Uma das entrevistadas disse que tinha ido retirar o seu benefício e depositar um dinheiro na poupança do marido.

É mais fácil combater a tese pura e simplesmente contrária ao Bolsa Família. Mas como responder ao argumento de que é preciso investir mais na porta de saída? Instrumentos existem. Há uma Secretaria de Economia Solidária, liderada por Paul Singer, mais competente que a maioria esmagadora dos ministros da coalizão. Faltam cooperativas, negócios sociais, enfim, um empurrão mais seguro para que as pessoas encontrem sua própria sobrevivência. Investir decisivamente nesse rumo significa aproximar-se da vertigem que o próprio boato suscitou: a da perda de importância da ajuda financeira mensal. Uma vertigem imaginar um eleitorado completamente livre, que produz sua própria sobrevivência, não vota por gratidão, mas por esperança num futuro melhor.

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O simples fato de usarmos tanto talento represado pela dependência à bolsa já seria um dínamo econômico. Como grande parte dos provedores, o PT, um provedor que usa dinheiro público, sempre se faz a pergunta crucial: ela gosta de mim ou do meu dinheiro? O que o leva a outra questão: a coalizão é mantida com grande estímulo de cargos e verbas; o eleitorado, com os laços criados pelo Bolsa Família.

E tome propaganda para nos tranquilizar sobre um futuro incerto até para eles. A última campanha nos conclama a torcer pelo futebol brasileiro. O governo nos chama neste período de a Pátria de chuteiras, usando a frase de Nelson Rodrigues. Em 1970, criticávamos os generais por usarem o futebol, uma arte popular, a favor do governo. Escrevíamos panfletos lembrando que a ditadura nada tinha que ver com o talento dos jogadores. No final da Copa, no jogo contra a Itália, houve até quem tentasse – sem êxito, pois a emoção foi mais forte – torcer contra o Brasil. Algumas décadas depois, quem está usando o futebol a seu favor, associando-o à imagem do governo, explorando um talento que é uma dádiva nacional?

Não estou pedindo a ninguém que coloque a mão na consciência e desfeche um processo acelerado de inclusão no mercado. A vertigem ainda é muito forte. O presidente do PT disse que o boato era um terrorismo eleitoral. Talvez o partido dominante tivesse se aterrorizado. A simples hipótese de perder aquela massa que recebe Bolsa Família é uma pequena antevisão do vazio que envolveu a mulher da Anistia Internacional quando seu preso foi solto.

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Curioso ver como os novos governantes cada vez mais se parecem com os antigos. Na escolha dos culpados de sempre, no sequestro do futebol e também na incômoda posição de quem se coloca como o indutor do progresso. Sua sobrevivência política depende mais do fechamento que da abertura da porta de saída, com o potencial de lançar milhares de novos atores do mundo do trabalho. Se fossem só um grupo de adolescentes, diria que estavam repetindo o que criticavam nos pais. Só quem vive assustado nos conclama a ser a Pátria de chuteiras. Nelson Rodrigues, creio, jamais formularia essa frase pensando num slogan oficial. Certamente, para ele, a Pátria de chuteiras, de tênis ou sandálias é fruto da espontaneidade popular. Como palavra de ordem oficial, só é possível uma Pátria de ferraduras.

Tentaram nos fazer tocar caxirolas. Não deu certo, o próprio ministro da Justiça condenou o artefato. A presidente Dilma até que tocou caxirola para a plateia no Planalto. Não sabia do perigo. Após queimar as mãos com um pequeno instrumento musical, saiu inaugurando estádios, dando pontapés iniciais. Com todo respeito à segunda mulher mais poderosa do mundo, se todo mundo chutar como ela, a Pátria de chuteiras vai para o buraco, assim como iria se todos fizessem embaixadas como o general Médici em 1970. De lá para cá, o marketing dominou a política, melhorou os penteados, mas continua o mesmo: escondendo o verdadeiro jogo.

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