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Alexandre Schwartsman

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Economista, ex-diretor do Banco Central
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A fala do trono

Lula fez uma comparação desonesta com o Holocausto

Por Alexandre Schwartsman Atualizado em 4 jun 2024, 09h20 - Publicado em 23 fev 2024, 06h00

Peço desde já desculpas aos eventuais leitores e leitoras que vieram aqui em busca de assuntos econômicos e prometo voltar a eles em breve, mas hoje quero tratar de um assunto que me parece ainda mais grave que os problemas do país naquela área: a fala irresponsável do presidente Lula comparando o conflito em Gaza ao Holocausto.

Segundo Lula, “o que está acontecendo em Gaza não existe em nenhum outro momento histórico (grifo meu). Aliás, existiu, quando Hitler decidiu matar os judeus”. Não faltam barbaridades no discurso presidencial.

A começar pelo desconhecimento (ou omissão deliberada) de vários outros eventos muito piores do que o atual, como o genocídio promovido pelos hutus contra os tutsis em Ruanda (800 000 mortos). Ou o Grande Salto para a Frente na China (15 milhões de mortos, a menor estimativa), ou ainda 1,5-2 milhões de mortos no governo do Khmer Vermelho, no Camboja. Para ficar em casos mais recentes, 600 000 mortos em Tigray, na Etiópia, outros 600 000 na guerra civil síria, ou ainda 380 000 no Sudão do Sul.

Há várias outras instâncias, mas já temos o suficiente para entender que a afirmação presidencial não se sustenta. Apenas revela seletividade preocupante, seja em termos de quem decidiu apontar, mas principalmente no que se refere a quem omitiu: governos identificados com o autodenominado “Sul Global”, os mesmos que considera aliados.

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“Nosso governo não consegue pensar o mundo para além dos estereótipos da Guerra Fria”

À parte a curiosa seletividade, a com­paração das ações israelenses com o genocídio nazista é inaceitável em várias dimensões. Judeus não invadiram a Alemanha matando, violando e sequestrando seus cidadãos. Também não lançavam foguetes, não possuíam uma milícia armada de 30 000-40 000 soldados, muito menos se escondiam atrás de civis em túneis e bunkers financiados por ajuda externa.

No Holocausto, mais de um terço da população judaica mundial foi assassinada de várias formas por ser judia, sem alternativa a não ser aguardar seus carrascos. Em contraste, a guerra em Gaza acabará assim que o Hamas e seus aliados concordarem em depor as armas e libertar os reféns que tomaram no nefasto 7 de outubro. Simples assim.

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À luz de tudo isso, Lula não só promoveu o possível maior desastre diplomático da nossa história, como também finalizou com méritos seu processo de desqualificação para qualquer papel de mediação nessa crise, seguindo firme nas pegadas de sua decisão de apoiar a denúncia da África do Sul à Corte Internacional de Justiça.

Nosso governo não consegue pensar o mundo para além dos estereótipos da Guerra Fria, padecendo de um antiamericanismo tosco que, sem maiores esforços, adquire tons sombrios de antissemitismo, convenientemente disfarçado de “antissionismo”. Não por outro motivo, Lula foi louvado… pelo Hamas.

No fim das contas, depois de um governo lamentável em várias dimensões, mas em particular na política externa, que nos afastou do eixo de países responsáveis, conseguimos a façanha de ter uma nova administração, ideologicamente oposta à anterior, e ainda assim igualmente desastrada na frente externa. Nosso atraso não é improviso; é intenção.

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Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881

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