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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Netflix: Documentário ‘O Código’ falha ao só paparicar Bill Gates

Minissérie é decepcionante. Só vale para quem quer ver bilionários remando, comendo hambúrguer... e sendo vistos como “salvadores do planeta”

Por Filipe Vilicic Atualizado em 25 set 2019, 18h51 - Publicado em 25 set 2019, 17h42

“Arrogante”. “Ganancioso”. “Demônio”. “Gênio predador capitalista”. Qualquer crítica a Bill Gates é restrita ao vídeo de abertura da minissérie O Código Bill Gates, da Netflix. Em seu documentário, o diretor Davis Guggenheim (do longa ambientalista Uma Verdade Inconveniente) passou longe de explicar o código por trás do funcionamento da mente de Gates. No fim, apesar de muito bem editado – e de ter o mérito de exibir mais da vida íntima do bilionário fundador da Microsoft – e executado tecnicamente, a série deixa (muito!!!) a desejar. Isso porque não passa de uma ode ao empreendedor estadunidense. Em especial, ao seu papel de filantropo.

O trailer do documentário o vende como se este fosse desvendar o cérebro de Gates. As expectativas são frustradas. O criador da Microsoft é, sim, uma figura interessantíssima. Vale, por exemplo, ler seu livro A Estrada do Futuro – que me fascinou quando eu tinha uns 15 anos de idade e me deparei com a obra pela primeira vez. E mesmo que tenha sido escrita em 1995, a publicação é bem mais completa do que O Código Bill Gates.

O problema central é que Guggenheim apresenta sua história pela ótica de um fã. Daqueles bem no estilo tiete. Para o diretor, a mente de Gates é tão-somente de um ser benevolente, filantropo, bondoso ao extremo e, além disso tudo, genial. Pois qualquer um que já entrevistou um indivíduo chamado de gênio sabe bem que, por trás de toda figura extremamente inteligente e visionária, há um humano cheio de defeitos (e, usualmente, cruel, frio, duro). Isso tudo por uma razão simples: todo humano é cheio de defeitos.

Guggenheim despreza qualquer crítica. Em sua visão, o bilionário aparece como um homem que quer salvar o mundo, acima de tudo (mas não de todos). Os três episódios da minissérie giram em torno dos empenhos da (verdadeiramente admirável) Fundação Bill e Melinda Gates. O que teria levado o casal – então os mais ricos do planeta – a investir todo o tempo em ambições como: vacinar crianças na África; erradicar a pólio; promover a energia nuclear como alternativa sustentável?

Contudo, mesmo nesse aspecto, ficam de fora as críticas. Por exemplo, em nome da Fundação, sabe-se que Gates já recorreu ao auxílio de nomes dos mais questionáveis, como o também bilionário Jeffrey Epstein – sim, o pedófilo que se matou na prisão. Também é questionável o real efeito das ações filantrópicas do casal. Como o gasto de bilhões e mais bilhões de dólares em projetos de energia nuclear que até agora para nada serviram. Ou com a criação de uma privada “revolucionária”, mas que depois se provou ser cara demais para servir para resolver problemas sanitários em países pobres.

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Ok, para ser justo, Guggenheim até levanta uma ou outra dúvida em torno da Fundação. Mas isso só em alguns poucos segundos do último episódio. Mesmo assim, como em todas as vezes em que parece que arriscaria criticar seu entrevistado, logo dá algum “porém” que volta a mostrar que Gates está fazendo o melhor possível e que sua bondade seria inquestionável. Para as críticas em torno da faceta filantrópica, por exemplo, pontua que Gates está trabalhando pesado, obcecado por “salvar o mundo”.

Desculpinhas similares pipocam ao longo de toda a série de filmes. O bilionário estadunidense já foi tido como um executivo irascível, que maltratava funcionários, e que chegou a aproveitar um momento de fragilidade de seu antigo sócio na Microsoft, Paul Allen (1953-2018), quando este estava com câncer, para passar a perna nele e forçar sua demissão. Quando Guggenheim começa a tocar no assunto, sem se aprofundar, logo gasta mais tempo dizendo que na verdade Gates estaria pensando no bem de seus empregados, em conseguir pagar os salários de todos (como se a multibilionária Microsoft tivesse qualquer problema com isso; e como se realmente fosse papel do presidente e fundador lidar com esse aspecto) e mais blablablá.

Blablablá, cheio de justificativas furadas, que aparece também quando começa a se lembrar de como o protagonista de O Código fora acusado de usar táticas ilegais, e monopolistas, para prejudicar rivais e clientes nos anos de 1990. Aí Gates é até colocado como vítima de uma história na qual ele pode ser visto como vilão, como herói… mas jamais como vítima.

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No fim, o documentário talvez valha para quem quer assistir a um bilionário dirigindo, fazendo trilha, remando, almoçando hambúrguer com Warren Buffett etc. Ou ainda para quem nunca ouviu falar da Fundação criada por ele.

Todavia, não é interessante para quem busca realmente decifrar o código da complexa mente de Gates. Uma pena. Pois, com enormes qualidades, assim como com seus defeitos, Bill Gates é uma das figuras mais interessantes, geniais e importantes desta era. Ele próprio merecia mais do que a produção medíocre (e, aqui, olhando com bons olhos, até) que foi apresentada pela Netflix.

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