Respirar causa câncer
A chuva dos últimos dias aliviou um pouco a situação, mas o problema está longe de solucionado. A Indonésia está vivendo a pior crise de poluição já registrada, causada por queimadas em regiões com solos turfosos (explicação do Houaiss: massa de tecido de várias plantas, especialmente de musgos do gênero Sphagnum, produzida por lenta decomposição […]


Pôr do sol visto partir do observatório do hotel Marina Bay Sands, em Singapura, sob uma densa camada de poluição, em 5 de outubro
A chuva dos últimos dias aliviou um pouco a situação, mas o problema está longe de solucionado. A Indonésia está vivendo a pior crise de poluição já registrada, causada por queimadas em regiões com solos turfosos (explicação do Houaiss: massa de tecido de várias plantas, especialmente de musgos do gênero Sphagnum, produzida por lenta decomposição anaeróbica associada à ação da água, encontrada em várias partes do mundo, com variação de consistência e de cor, usada como fertilizante, forragem, combustível e na feitura de carvão). Em Palangkaraya, capital da província de Kalimantan Central, na ilha de Bornéu, registrou-se no último dia 24 uma poluição recorde de 3122 ug/m3 (pelo padrão de qualidade do ar MP10, que mede partículas inaláveis). O dia mais poluído de 2014 em Cubatão (SP), em comparação, cravou 283 ug/m3.
As queimadas na Indonésia obedecem a um padrão semelhante ao que existe na Amazônia brasileira: são usadas, ilegalmente, para abrir espaço para atividades agrícolas. A temporada do fogo na Indonésia começa em junho e termina em outubro, mas este ano o fenômeno se estendeu porque o El Niño adiou as chuvas. Como mostra um documentário de pouco menos de 49 minutos do programa Get Real do Channel NewsAsia, um canal de TV em inglês com sede em Singapura, tentar apagar o fogo nas áreas turfosas de Kalimantan Central é um trabalho de sísifo, porque o próprio solo se transforma em uma gigantesca churrasqueira em brasa. A cena em que um bombeiro indonésio arranca um pedaço de terra do chão e o assopra, acendendo uma chama, é bastante didática.
A névoa amarela que cobre grandes áreas das ilhas de Sumatra e Bornéu provocou doenças respiratórias em meio milhão de pessoas e matou quinze na Indonésia. Em apenas três semanas, o país emitiu mais gases do efeito estufa do que a Alemanha em um ano inteiro. Os países vizinhos, principalmente a cidade-Estado Singapura e a Malásia, tornaram-se, digamos, “fumantes passivos” da poluição indonésia. “Não conseguimos respirar. Estamos sufocando. As queimadas incontroláveis da Indonésia estão matando pessoas naquele país, em Singapura, na Malásia e na Tailândia, e agora temos que usar máscaras ou ficar em casa. Os mais ricos têm purificadores de ar — os outros são obrigados a respirar as partículas tóxicas espalhadas por todo o Sudeste Asiático”, me disse no dia 26 a expatriada dinamarquesa Mona La Cour Sørensen, que vive em Singapura com a família. Três dias depois, ela contou: “Nas últimas 48 horas tivemos um pouco de alívio. Agora podemos ver o céu pela primeira vez em muitas semanas.” As fotos que ela fez de Singapura do alto de um prédio mostram o efeito benéfico da chuva para limpar o ar:

Singapura coberta pela poluição e depois da chuva. Fotos: Mona La Cour Sørensen/Veja
Mas isso não significa que o problema acabou. Ainda há mais de 100.000 focos de incêndio nas florestas indonésias para combater.
Em tempo: Sim, respirar causa câncer. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a poluição é a principal causa ambiental para o aparecimento da doença. Um estudo de alguns anos atrás estimou que 15% das mortes por câncer no pulmão em todo o mundo estavam relacionadas ao ar poluído. Considerando-se que mais da metade da população mundial vive em cidades e que as áreas rurais nem sempre são garantia de ar puro, pode-se dizer que sim, para a maior parcela da humanidade respirar aumenta as chances de se ter câncer.