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A boa e velha reportagem

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Conversas com um terrorista arrependido do EI

Os soldados do Estado Islâmico (a seita apocalíptica que cometeu os massacres de 13 de novembro em Paris, entre outros atentados contra civis indefesos) são mal treinados e incompetentes, muitos têm medo da morte e quando estão em férias na Turquia comem batata frita no McDonald´s. Quem diz isso é um ex-integrante do grupo fundamentalista islâmico que controla […]

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 00h00 - Publicado em 28 nov 2015, 08h00
Michael Weiss entrevistou um ex-terrorista do Estado Islâmico

Um integrante mascarado do Isis (Crédito: HO/FBI)

Os soldados do Estado Islâmico (a seita apocalíptica que cometeu os massacres de 13 de novembro em Paris, entre outros atentados contra civis indefesos) são mal treinados e incompetentes, muitos têm medo da morte e quando estão em férias na Turquia comem batata frita no McDonald´s. Quem diz isso é um ex-integrante do grupo fundamentalista islâmico que controla uma vasta área da Síria e do Iraque, em depoimento ao jornalista americano Michael Weiss, do site The Daily Beast.

Weiss é coautor, com Hassan Hassan, de um dos melhores livros sobre o Estado Islâmico (EI ou Isis, na sigla em inglês), que saiu no Brasil com o título Estado Islâmico — Desvendando o Exército do Terror (Editora Seoman). Ele entrevistou o ex-EI em outubro, poucos dias depois do sangrento atentado a bomba contra uma manifestação em Ancara, a capital turca, e algumas semanas antes dos ataques em Paris. Weiss já conhecia seu entrevistado do tempo em que cobria o início da guerra civil na Síria, muito antes da ascensão do EI. A íntegra da conversa pode ser lida em quatro partes aqui, aqui, aqui e aqui.

Por ser extensa, faço aqui apenas um resumo, em forma de lista, das informações mais reveladores contidas na reportagem de Weiss:

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1) A relutância dos Estados Unidos em derrubar o ditador sírio Bashar Assad tão logo ele cruzou a linha vermelha estabelecida por Barack Obama, somada aos atuais bombardeios das áreas controladas pelo Estado Islâmico, tem levado muitos sírios a se unir ao grupo. Não se pode esquecer que Assad é alauíta, uma minoria religiosa, e próximo dos xiitas (um ramo minoritário do Islã). E que o EI é sunita (corrente majoritária do islamismo). Muitos sírios, portanto, estão convencidos de que os Estados Unidos fazem parte de uma conspiração que une Rússia e Irã (xiita) contra sunitas;

2) O EI tem sua própria agência de imigração. Abu Khaled (este é o nome fictício que Weiss deu para seu entrevistado), um cidadão sírio, era considerado um estrangeiro nas cidades sírias controladas pelo EI quando se juntou ao grupo, e passou por um processo de “naturalização”, que incluiu cursos de doutrinação religiosa. Seu passaporte ficou retido em um departamento de “recursos humanos” do EI;

3) O EI é uma torre de babel (perdoem o paradoxo histórico). Khaled encontrou alemães, holandeses, franceses, americanos, russos e até venezuelanos nas fileiras do grupo. Poucos falavam árabe, razão pela qual ele, que sabe inglês e francês, tinha que servir de intérprete. Durante um período, os comandantes militares do EI mantinham batalhões homogêneos, divididos por nacionalidade, para facilitar a comunicação. Mas perceberam que os laços entre os integrantes dos batalhões acabavam sendo mais fortes pela nacionalidade comum do que a lealdade à cúpula militar, e passaram a formar batalhões mistos;

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4) Os estrangeiros do EI se consideram superiores aos sírios. Khaled contou que eles se acham mais puros, do ponto de vista religioso, do que os locais e agem como colonizadores;

5) As fontes de recrutamento do EI estão secando. “Nós tínhamos 3.000 combatentes estrangeiros que chegavam todo os dias para se juntar ao Isis. Repito, todos os dias. E agora não chegam nem 50 ou 60″, relatou Khaled a Weiss.

6) Os jihadistas russos são temidos pelos outros. Chamados de “chechenos”, os integrantes de fala russa do EI têm batalhões próprios que agem com bastante autonomia e são temidos pelos outros terroristas. Em um episódio, um emir do EI mandou colocar snipers nos prédios ao redor do local de um encontro que ele teria com os “chechenos”, porque tinha medo de ser morto por eles;

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7) O EI tem quatro serviços de inteligência distintos. O primeiro, Amn al-Dakhili, é responsável pela segurança nas cidades sob domínio do grupo. O segundo, Amn al-Askari, é a inteligência militar, que se dedica a descobrir informações úteis sobre os inimigos. O terceiro, Amn al-Kharji, faz a espionagem internacional, o que inclui plantar células terroristas no Ocidente, na Turquia e na própria Síria, nas áreas fora do controle do EI. Há espiões do grupo infiltrados até entre rebeldes do chamado Exército Sírio Livre, apoiado pelos Estados Unidos. O quarto, Amn al-Dawla, faz a segurança de Estado, ou contrainteligência. Kahled, o entrevistado de Weiss, diz que pertencia a essa divisão de inteligência. O britânico Mohammed Emwazi — conhecido como Jihadi John, que apareceu mascarado nos vídeos de decapitação de reféns ocidentais, entre os quais os jornalistas James Foley e Steven Sotloff — também era membro da Amn Al-Dawla.

8) O Ocidente tem espiões infiltrados no EI. A identidade de Jihadi John foi obtida graças a uma foto tirada numa rua de Raqqa, a capital do EI, e enviada para os serviços de inteligência britânicos por um informante local. Quando um deles é descoberto, a punição é, obviamente, a decapitação — como ocorreu com um sujeito que foi pego colocando aparelhos de rastreamento por satélite em lugares de interesse para os drones americanos;

9) Os integrantes do EI recebem um salário de 100 dólares por mês. DÓLARES em espécie, não a libra síria ou qualquer outra moeda;

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10) Os médicos do EI ganham mais do que os brasileiros. A profissão é a mais valorizada no autodeclarado Califado. Os médicos ganham entre 4.000 e 5.000 dólares, o triplo do rendimento médio de um profissional em início de carreira no Brasil;

11) Não há barbeiros ou cabeleireiros no EI. Pudera. É proibido cortar o cabelo e a barba, sob pena de chibatadas e encarceramento em uma jaula instalada em uma praça pública;

12) Os soldados do EI são indisciplinados, mal-treinados e muitos têm medo de morrer. É verdade que não faltam candidatos a “mártir”, ou seja, a homem-bomba. Mas os que se alistam como combatentes nem sempre têm pendor suicida. Muitos se recusam a obedecer a uma ordem no campo de batalha quando sentem que o efeito militar será nulo e que estão sendo enviados para a morte certa. O treinamento deixa a desejar. Alguns são enviados para o combate com apenas duas semanas de preparação. O resultado é que não sabem princípios táticos básicos, como manter uma posição conquistada;

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13) Os integrantes do EI entram e saem da Turquia sem incômodo. O país é praticamente uma colônia de férias do EI, a julgar pelo relato de Kahled. Os feridos do EI são enviados para a Turquia, onde, de cabelo e barbas cortados, recebem atendimento médico. Os terroristas não se importam, tampouco, de comer hambúrguer e batata frita em uma filial turca qualquer do imperialismo ianque, o McDonald’s. Durante a batalha por Kobani, vencida pelas milícias curdas, à qual as forças turcas assistiram sem ajudar, o EI recebeu toneladas e toneladas de armamento pela fronteira com a Turquia. A facilidade com que os terroristas atravessam para o país vizinho parece comprovar a acusação feita pelo presidente russo Vladimir Putin, ao reagir à derrubada de um de seus aviões militares pela força aérea turca: “A perda de hoje é uma facada nas costas, dada por cúmplices dos terroristas.”

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