‘Titanic pode não ter batido em iceberg’, diz especialista no naufrágio
Ex-militar americano e consultor técnico de filmes de James Cameron sobre o navio, Parks Stephenson, disse que a modelagem em 3D dos restos é revolucionária

Recentemente, pesquisadores concluíram a primeira varredura digital em tamanho real do Titanic, mostrando todo o naufrágio com detalhes e com clareza. Ex-comandante da Marinha dos Estados Unidos e consultor técnico de vários filmes de James Cameron sobre o Titanic, Parks Stephenson, que esteve envolvido no projeto, chamou a modelagem de revolucionária e disse que muitos detalhes sobre como o navio afundou podem ser desvendados.
Usando dois submersíveis operados remotamente, uma equipe passou seis semanas no Atlântico Norte mapeando os destroços e seus arredores, onde pertences pessoais dos passageiros do transatlântico foram espalhados. Depois, os pesquisadores passaram sete meses renderizando a grande quantidade de dados que coletaram, e um documentário sobre o projeto deve ser lançado no próximo ano.
Para entender melhor quais os impactos deste evento, VEJA trocou e-mails com Stephenson. A seguir, os principais trechos da troca.

Antes de mais nada, 111 anos se passaram desde o trágico naufrágio. Por que você acha que o Titanic continua a cativar nosso interesse coletivo?
Não consigo explicar totalmente o fascínio sem fim pelo Titanic. Tudo o que posso falar é sobre meu próprio interesse: enquanto tiver dúvidas sobre o naufrágio, continuarei buscando respostas. Quando não tiver mais perguntas, deixarei para trás e me dedicarei a outros interesses. Mas este novo modelo de fotogrametria levanta novas questões, então parece que vou continuar pensando nisso por um tempo.
Qual é sua opinião sobre a varredura digital do Titanic? Que notícias ou descobertas em potencial você espera que surjam?
É a primeira visão objetiva do naufrágio do Titanic. Antes disso, todo o naufrágio podia ser visto apenas por meio de interpretações artísticas, que naturalmente incluíam o viés humano. Se o objetivo é estabelecer o local do naufrágio do Titanic como um sítio arqueológico, ou determinar como o navio inundou, quebrou e afundou, é preciso ver os destroços sem preconceito ou interpretação. Esta é a primeira visão construída inteiramente com base em dados e inteligência artificial e, portanto, é mais confiável como base para estudos científicos e de engenharia. Prevejo aprender mais sobre um aspecto de engenharia sobre como o navio se partiu e afundou. Também estou vendo detalhes no modelo que nunca havia notado antes em nenhuma imagem ou ou modelagem.
De que maneira a varredura revela aspectos inéditos do Titanic? Você tem algum exemplo do que podemos observar agora que não era visível antes?
A análise usando o modelo está apenas começando. Mas em uma olhada rápida estou entendendo mais sobre por que a seção de popa desabou tão completamente e que há uma curvatura e deformação interessantes a bombordo da seção de proa que requer mais estudo. Também vejo danos físicos na seção da proa que não estavam presentes em 2019… Alguém não teve todo o cuidado em explorar os destroços desde então.
Ainda existem fatos desconhecidos sobre o naufrágio do Titanic? Se sim, quais são eles e como esse escaneamento pode ajudar a desvendar esses mistérios?
Uma teoria importante que várias evidências têm me apontado ao longo da última década é que o Titanic pode ter encalhado em uma plataforma submersa do iceberg, não atingindo-o a estibordo, como mostrado em vários filmes e documentários. Espero encontrar mais evidências com este novo modelo de fotogrametria. Fora isso, estou aberto a encontrar novas evidências que nunca vi antes e novas teorias que podem se desenvolver a partir dessas evidências.
É possível obter informações sobre o interior do Titanic ? Se sim, quais restos ou artefatos ainda estão presentes nos destroços?
Os escâneres da Magellan não foram para o interior do navio, então as imagens de James Cameron de 2001 e 2005 continuam sendo a única evidência documentada de dentro do naufrágio. No entanto, nessas novas imagens, pude ver parte do interior da Sala Silenciosa Marconi através de um buraco na parte superior e fiquei consternado ao descobrir que os painéis icônicos do quadro de distribuição do aparelho transmissor de telégrafo Marconi caíram para a frente e não estão mais disponíveis para estudar.

Na sua opinião, a varredura tem o potencial de responder definitivamente o que aconteceu naquela fatídica noite em que o Titanic afundou?
As imagens de 2022 e o modelo de fotogrametria nos fornecem mais informações sobre o local do naufrágio, que por sua vez estará em análise científica para tentar determinar os fatores causais do desastre. Mesmo que esse esforço não feche o livro sobre a história do Titanic (se é que isso é possível), eu ainda acredito que isso nos aproxima cada vez mais da verdade real por trás do desastre e, ao fazê-lo, torna obsoletas e imprecisas suposições que as pessoas sempre aceitaram como a verdade.
Considerando a riqueza de novas informações, quais avanços científicos ou descobertas você antecipa no futuro próximo?
Esse modelo digital de escaneamento e fotogrametria abre uma nova era na análise e exploração forense marinha. Esse grande salto na tecnologia subaquática terá efeitos de longo alcance, não apenas na exploração do Titanic ou de outros naufrágios, mas no trabalho subaquático em geral. À medida que nos voltamos para os oceanos profundos em uma busca multinacional por mais recursos necessários para desenvolver ainda mais nossa tecnologia “verde”, a capacidade de mapear porções de alto interesse do oceano e renderizar réplicas digitais exatas será uma ferramenta necessária neste esforço . O Titanic foi uma força motivadora para amadurecer rapidamente esse processo e seus usos vão muito além dele.