Rochas ‘guardam memória’ de quando Bacia de Santos e Namíbia eram grudadas
Estudo revela registro magnético de 490 milhões de anos que comprova a ligação entre América do Sul e África antes da formação do Atlântico

Muito antes de o oceano Atlântico existir, as terras que hoje formam a América do Sul e a África estavam grudadas, como peças de um quebra-cabeça. Juntas, faziam parte de um antigo supercontinente chamado Gondwana. Agora, um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com Yale e Caltech, mostrou que rochas da Bacia de Santos, no litoral brasileiro, e da região da Namíbia, no sudoeste africano, guardam o mesmo “registro” de um grande aquecimento geológico ocorrido há cerca de 490 milhões de anos — uma evidência de que esses pedaços de terra estavam unidos nesse período.
Esse “registro” está escondido em minúsculos grãos minerais dentro das rochas, que funcionam como “pequenas bússolas fossilizadas“. “Algumas rochas contêm minerais magnéticos, como óxidos de ferro, que conseguem reter uma magnetização. Quando essas partículas são formadas, elas adquirem uma informação magnética de acordo com o campo magnético da Terra naquela época”, explica Thales Pescarini, pesquisador do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e autor correspondente do estudo publicado na Journal of Geophysical Research: Solid Earth.
Por que o sinal magnético foi resetado?
As rochas estudadas pertencem ao chamado Grupo Nama, na Namíbia, e formaram-se há mais de 500 milhões de anos. Com o tempo, esses terrenos foram comprimidos por colisões entre grandes blocos de terra — o equivalente a continentes antigos se espremendo até formar montanhas. Esse movimento gerou calor suficiente para “apagar” o registro magnético original das rochas e deixar um novo no lugar, correspondente à época do aquecimento, que ocorreu entre 490 e 480 milhões de anos atrás.
“Conseguimos traçar a história térmica desse processo e mostramos que o aquecimento e o resfriamento aconteceram de forma sincronizada em diferentes blocos do Gondwana Ocidental”, diz Pescarini.
Isso significa que, na época em que esses continentes ainda estavam se unindo, o mesmo fenômeno ocorreu dos dois lados do que hoje é o Atlântico Sul — tanto na África quanto na América do Sul. O estudo mostra que, antes de se separarem, essas regiões viveram os mesmos episódios geológicos.
O que essa descoberta muda na ciência?
Antes, muitos pesquisadores acreditavam que o magnetismo preservado nessas rochas tivesse surgido por reações químicas locais — ou seja, que os minerais magnéticos tinham se reorganizado por conta da presença de fluidos ou mudanças internas. O novo estudo mostrou que, na verdade, foi o calor gerado pelas colisões entre placas tectônicas que alterou as rochas.
“A idade que obtivemos (490 milhões de anos atrás) representa o final da montagem dos blocos continentais que formaram o supercontinente Gondwana. Entender essa sequência é fundamental para modelar o ambiente da Terra na época em que a vida animal complexa surgiu”, completa Pescarini. Em vez de interpretar esse tipo de sinal como algo local e acidental, agora se reconhece que ele pode ser a assinatura de um grande evento tectônico global.
Implicações para o futuro
Além de ajudar a reconstruir a história dos continentes, a técnica usada no estudo pode ter aplicações práticas no futuro. “Esse estudo pode abrir portas para usar técnicas magnéticas em áreas como a indústria do petróleo, ajudando a determinar a temperatura que certas rochas atingiram e, com isso, identificar se elas podem gerar óleo”, explica o pesquisador.
Os cientistas agora trabalham em novas análises para entender quanto tempo essas rochas ficaram aquecidas e qual foi a velocidade do resfriamento. Isso pode ajudar a construir modelos mais precisos sobre os ambientes antigos do planeta e até aplicar a técnica em outros lugares do mundo. “Se conseguirmos consolidar bem essa metodologia, ela poderá ser aplicada em outros sistemas de cadeias de montanhas pelo mundo, trazendo uma precisão muito maior para reconstruções geológicas”, afirma.