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Por que espécies invasoras como o camarão azul acendem alerta das autoridades

A capacidade invasora do M. rosenbergii está associada à sua facilidade de adaptação

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 15 fev 2025, 08h00

Não havia outro assunto, e houve quem tenha ficado azul de espanto aos ver as imagens nas redes sociais. No início do ano, pescadores do Pará capturaram um grande número de imensos crustáceos estranhos às águas doces do Norte. O Macrobrachium rosenbergii, conhecido como camarão-gigante-da-malásia ou camarão-gigante-azul, introduzido no Brasil em 1977 para fins de cultivo controlado, escapou para o ambiente natural e tem se expandido rapidamente pela foz do Rio Amazonas. O crescimento descontrolado da espécie gerou alarde entre comunidades locais.

PEIXE-LEÃO - O Pterois volitans é originário do Indo-Pacífico. Foi detectado pela primeira vez em águas brasileiras em 2014 e se espalhou por toda a costa, de sul a norte.
PEIXE-LEÃO – O Pterois volitans é originário do Indo-Pacífico. Foi detectado pela primeira vez em águas brasileiras em 2014 e se espalhou por toda a costa, de sul a norte. (//Getty Images)

A introdução do camarão estrangeiro no Brasil pretendia diversificar a produção e atender a quem gosta de animais de rios, e não dos mares. O tipo, originário do Sudeste Asiático, é conhecido por seu rápido crescimento. A carne é de qualidade, característica que o tornou atrativo para os produtores. No entanto, a falta de manejo adequado e a escassez de medidas preventivas podem ter contribuído para a disseminação inadequada. “A ausência de predadores naturais e a alta capacidade de adaptação desse crustáceo são fatores que favorecem sua proliferação acelerada”, diz Andrea Junqueira, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em bioinvasões (sim, bioinvasões, eis o nome do rolo).

Mesmo assim, hoje, a produção nacional do camarão azulado é considerada modesta, estimada em cerca de 150 toneladas anuais. Em contraste, a produção mundial alcançou 234 000 toneladas em 2016, com a China respondendo por aproximadamente 54,1% desse total. Embora tenha sido introduzido como alternativa econômica promissora, a dispersão descontrolada levanta um dilema: como equilibrar a produção comercial com o respeito à biodiversidade local?

JAVALI - O Sus scrofa, mamífero suíno originário da Europa e da Ásia, alimenta-se de plantas, frutos, raízes e pequenos animais. Compete com espécies nativas.
JAVALI – O Sus scrofa, mamífero suíno originário da Europa e da Ásia, alimenta-se de plantas, frutos, raízes e pequenos animais. Compete com espécies nativas. (//Shutterstock)
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A capacidade invasora do M. rosenbergii está associada à sua facilidade de adaptação. Relatos indicam a captura de fêmeas grávidas na foz do Rio Amazonas, sinal de que estão se reproduzindo no ambiente natural. Esse comportamento pode gerar impactos ambientais ao competir com camarões nativos por alimento e hábitat. Entre os principais riscos sanitários, está a síndrome da mancha branca, um vírus muito contagioso que pode devastar populações inteiras de crustáceos.

Não é o caso de desespero, tampouco de desdém. Mas é sempre bom reafirmar o imenso problema: espécies exóticas invasoras são um nó recorrente no Brasil. Casos emblemáticos incluem o javali, que destrói plantações e compete com espécies nativas; o peixe-leão, que dizima populações de peixes em recifes de corais; e o caramujo-gigante-africano, um risco sanitário urbano. Todos eles, quase sempre, são trazidos por viajantes. “A introdução de espécies exóticas pode desencadear uma série de impactos ecológicos que vão muito além da competição por alimento”, diz Michele Dechoum, professora de ecologia e zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina. “Em alguns casos, elas podem modificar completamente a estrutura de um ecossistema.”

CARAMUJO AFRICANO - O Achatina fulica é um molusco terrestre conhecido por seu imenso tamanho, com conchas que chegam a ter 20 centímetros.
CARAMUJO AFRICANO – O Achatina fulica é um molusco terrestre conhecido por
seu imenso tamanho,
com conchas que chegam
a ter 20 centímetros. (//Getty Images)
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O que fazer, então? Em alguns casos, como no do peixe-leão, um caminho é a exploração comercial, afeita a fazer sumir do mapa o agressor. No entanto, nem sempre a solução é eficaz. “O incentivo ao consumo pode até ajudar a conter a invasão, mas, sem um plano de manejo, existe o risco de agravar o problema”, diz Dechoum. Outro modo, por óbvio, é a regulamentação. No caso da grande estrela paraense deste verão de 2025, o bigodudo celeste campeão do TikTok, o governo exige licença ambiental e autorização do Ibama. O cultivo ilegal prevê multas de 3 000 reais a 50 000 reais. Além disso, a Lei de Crimes Ambientais estabelece penas de detenção de três meses a um ano para quem introduzir espécies exóticas sem licença. Enquanto isso, pescadores continuam a capturá-lo, transformando um problema ecológico em uma oportunidade de negócio. Assim caminha a engrenagem econômica do Brasil. É preciso cuidado, para evitar pragas. Alguns bichos são simpáticos, muitos são bonitos, há os deliciosos, quando comidos, mas muito deles têm um jeito ruim de ser, como no famoso rock dos Titãs. Convém, portanto, seguir as regras e os cientistas.

Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931

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