Pearl Harbor: navios atacados na II Guerra ajudam ciência climática
Dados científicos coletados durante o conflito ajudarão cientistas a compreender mudanças globais do clima

O ataque japonês à Base Aérea de Pearl Harbor é um dos momentos mais conhecidos da História Contemporânea e ajudou a delinear eventos que marcaram a II Guerra Mundial. Agora, mais de 80 anos depois do fatídico dia 7 de dezembro de 1941, dados meteorológicos de vários navios bombardeados por pilotos japoneses foram recuperados em uma verdadeira missão de resgate científico que ajudará os cientistas a compreender como o clima global mudou.
Em 1941, o ataque à frota estadunidense no Havaí culminou em muitas baixas humanas, além da destruição de embarcações como o USS Pennsylvania e o USS Tennessee. Apesar do impacto inicial, o serviço militar não podia parar. Assim, os oficiais da Marinha americana continuaram cumprindo tarefas básicas, o que incluía registros diários do clima.
Um artigo publicado hoje, 18, no periódico científico Geoscience Data Journal traz dados inéditos sobre esses registros. O trabalho envolveu os dados coletados por 19 navios da Marinha dos Estados Unidos entre 1941 e 1945. O esforço hercúleo de recuperação demorou pouco mais de um ano e envolveu o trabalho de cerca de 4.300 voluntários, que transcreveram mais de 28.000 imagens registradas em diários de bordo.
“Esses diários foram fotografados e usamos essas fotos para executar um projeto de resgate de dados no Zooniverse – portal de ciência cidadã operado pela Citizen Science Alliance que cadastra voluntários com interesse de contribuir em projetos científicos – para recuperar dados”, diz Praveen Teleti, professor da Universidade de Reading, na Inglaterra, e um dos idealizadores do projeto em entrevista a VEJA. “Esses documentos foram desclassificados pelo Arquivo Nacional dos Estados Unidos (NARA, na sigla em inglês) em 2017. Eles foram classificados e arquivados e felizmente estavam em bom estado”.
Estudos anteriores já sugeriram que o período de guerra teve anos anormalmente quentes em algumas partes do mundo. Agora, os mais de 630.000 registros baseados em mais de 3 milhões de observações individuais poderão ajudar a mostrar se isso de fato aconteceu. “Foram extraídas informações meteorológicas e de data, hora, posição. Como não temos uma compreensão mais clara do clima passado em determinados momentos e locais onde não temos observações suficientes, este conjunto de dados nos ajudará a reconstruir o clima durante a Segunda Guerra Mundial”, afirma Teleti. “Estas novas observações, juntamente com os dados atuais, serão utilizadas para executar modelos climáticos, que resultarão em previsões muito precisas”.
As observações de navios de guerra foram as principais fontes de observações marinhas durante o período da Segunda Guerra, mas muitos registros foram destruídos como um ato de guerra, ou simplesmente esquecidos devido ao período de tempo em que foram considerados confidenciais.
O conjunto de dados recuperado revela como aquele contexto exigiu mudanças nas práticas de observação. Foram realizadas mais observações durante o dia do que durante a noite para reduzir a exposição aos navios inimigos e evitar serem detectados. “Foi um desafio pós-processar os dados corretamente para que pudessem ser utilizados no futuro”, lembra o pesquisador. Além disso, há pouco conhecimento sobre o clima do Indo-Pacífico e do Extremo Oriente durante a Segunda Guerra Mundial. Os dados resgatados ajudarão os cientistas a corrigir e preencher lacunas nos conjuntos de informações existentes e a garantir que possam compreender melhor como o clima global evoluiu desde o início do século XX.