Pavor coletivo por catástrofe com asteroide está de volta. É motivo para pânico?
O risco de colisão despencou a zero, mas o temor mostra o medo ancestral pelo que vem de cima

Apesar de sua bravura e força sobre-humana, os guerreiros Asterix e Obelix, protagonistas da incontornável série de histórias em quadrinhos francesa, compartilham um medo peculiar: que o céu caia sobre suas cabeças. A ideia desenvolvida por Albert Uderzo e René Goscinny tem origem em relatos históricos, como os do historiador grego Estrabão, que viveu entre 64 a.C. e 24 d.C. e descreveu os celtas como um povo temeroso de que o firmamento desabasse. É medo que se manifestou ao longo dos séculos, como metáfora de tudo o que é ruim. No fim do século XIX, charges americanas equiparavam a iminente queda de um cometa ao desembarque de imigrantes chineses como mão de obra barata, em gesto de xenofobia que nos faz lembrar alguém das bandas de lá, nos dias de hoje. O pavor do que vem de cima, enfim, é muito antigo, e parece ser infindável.
Há quem olhe para cima, agora, preocupado com o asteroide 2024 YR4, descoberto em dezembro do ano passado. Não que ele vá, com 100% de certeza, produzir um cataclismo, mas a cautela é uma necessidade humana, demasiadamente humana. A trajetória da pedrona de até 90 metros de diâmetro indicava uma chance de colisão com a Terra em 22 de dezembro de 2032, faísca para apreensão. Para efeito de comparação do estrago possível: o meteoro que explodiu sobre a cidade russa de Chelyabinsk, em 2013, tinha apenas 18 metros de diâmetro e feriu mais de 1 500 pessoas. A poderosa onda de choque gerada pela explosão quebrou janelas, derrubou estruturas e provocou danos significativos.

A primeira estimativa em torno do 2024 YR4 apontava uma probabilidade de impacto de 1,3%, índice que, poucos dias depois, foi elevado para 2,3%. Na astronomia, um aumento dessa magnitude é incomum. Resultado: o objeto celestial virou alvo de intenso monitoramento. Não demorou para que o risco fosse drasticamente reduzido para ínfimos 0,0017% de chance de algo dar muito errado. Os temores, contudo, não diminuíram, e talvez tenham até crescido.
Na ponta do lápis, a colisão se tornou praticamente impossível — pelo menos com os dados disponíveis até agora. “Com novas observações, conseguimos refinar a trajetória e diminuir a incerteza”, afirma o astrônomo e diretor do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thiago Signorini Gonçalves. Esse tipo de revisão ocorre porque, quando um asteroide é recém-descoberto, sua órbita ainda é pouco conhecida. Pequenas variações nos dados podem fazer a probabilidade oscilar. Somente com mais medições e um acompanhamento detalhado é possível definir a trajetória com precisão, e é certo que tudo será esmiuçado. Até lá, novos ajustes nas previsões não estão descartados — e novas ondas de preocupação, algumas evidentemente exageradas, também não.
O Brasil já foi alvo de um desses estilhaços celestes. No fim do século XVIII, um siderito, ou seja, um meteorito metálico composto principalmente de ferro e níquel, caiu próximo à cidade de Bendegó, na Bahia, sem causar nenhum efeito colateral. De 1784 a 1888, o objeto de 5,36 toneladas ficou exposto às intempéries, como símbolo de um perigo estelar, até ser transportado para o Museu Nacional do Rio. No fim, passado o espanto, seu estudo forneceu informações valiosas sobre a composição do sistema solar e a história do planeta, e da paúra ao modo dos gauleses fez-se ciência.

Mas há uma pergunta que se impõe: se um asteroide realmente perigoso fosse identificado com antecedência, haveria tempo hábil para agir? Essa questão foi o que motivou a Nasa a lançar a missão Double Asteroid Redirection Test (Dart), que testou, pela primeira vez, a capacidade de desviar um asteroide de sua trajetória. Em 2022, a sonda da missão foi lançada contra Dimorphos, uma pequena lua que orbita o asteroide Didymos, a 11 milhões de quilômetros da Terra. O impacto alterou sua órbita de maneira mensurável, provando que, em um cenário real de ameaça, seria possível usar tecnologia similar para evitar o pior. “Esse experimento mostrou que, se um asteroide estivesse vindo na direção da Terra, poderíamos alterar sua rota com antecedência suficiente para evitar uma colisão”, afirma Gonçalves, da UFRJ.
Portanto, pede-se calma e paciência. Nos últimos anos, a astronomia fez progressos notáveis na previsão de impactos, reduzindo consideravelmente a chance de sermos surpreendidos por um asteroide perigoso. Os instrumentos de investigação estão cada vez mais refinados. A Terra está mais segura agora do que em qualquer outro momento da história — e os sustos causados por previsões iniciais fazem parte do próprio processo científico, uma hora entram nos eixos. O que não podemos intuir, dada a estupidez dos poderosos, são as guerras, e muito menos quando terminam. Os problemas reais estão cá embaixo.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933