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Osso duro de roer: o fetiche de bilionários por fósseis de dinossauros

O objetivo é ter um esqueleto antigo na garagem de casa. Cientistas condenam a ideia

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 15 dez 2024, 08h00

Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-­lhe três. O esqueleto de um dinossauro de muitos milhões de anos acaba de ser arrematado por um feliz comprador. Parece estranho, mas essa situação tem se repetido em casas de leilão americanas e europeias. Bilionários e celebridades como os atores Nicolas Cage, Leonardo DiCaprio e Russell Crowe disputam e negociam esqueletos ancestrais por vários milhões de dólares. A tendência, que instala as relíquias de um passado muito, muito distante no mesmo patamar de obras de arte e carros de coleção, levanta questões delicadas sobre o futuro da pesquisa paleontológica e o acesso do público a esse fundamental patrimônio científico da humanidade.

Um dos casos mais emblemáticos é o do Apex, um estegossauro de 150 milhões de anos, o mais completo já encontrado. O fóssil de 8 metros de comprimento, desenterrado em terras do Colorado, nos Estados Unidos, foi arrematado em julho pelo bilionário Ken Griffin, por 44,6 milhões de dólares e está agora exposto com pompa e circunstância, desde 8 de dezembro, no Museu de História Natural de Nova York. Outro exemplo é o Vulcain, um apatossauro de 20 metros de comprimento com nome do deus romano do fogo. Descoberto no Wyoming, o esqueleto do dino foi vendido em novembro por 6,3 milhões de dólares em um leilão realizado em Paris.

BRINCADEIRINHA - Cage, Crowe e DiCaprio: fascínio pelos antigos animais
BRINCADEIRINHA - Cage, Crowe e DiCaprio: fascínio pelos antigos animais (Jerod Harris/Getty Images; Daniele Venturelli/WireImage/Getty Images; Gareth Cattermole/Getty Images)

A legislação americana sobre fósseis varia de estado para estado. Em alguns deles, a descoberta dos ossos em terras privadas garante ao proprietário o direito de venda, o que tem impulsionado o mercado dessas preciosidades. Com isso, empresas especializadas em escavações oferecem aos proprietários de terrenos 20% do valor de qualquer achado que supere 100 dólares. Essa corrida por lucros tem elevado o número de perfurações, com os envolvidos no processo buscando a próxima grande descoberta. É o mercado invadindo, de maneira não muito saudável, os domínios da pesquisa científica.

O ponto de inflexão, de acordo com especialistas, foi a venda de um tiranossauro apelidado de Sue por 8,4 milhões de dólares, em 1997, atalho para despertar a atenção de proprietários de terras pelos potenciais lucros com os fósseis. Os donos das casas de leilão, é claro, sorriem. Elas se beneficiam desse comércio, não importa se os compradores são entusiastas em busca de reviver memórias de infância, como se brincassem com os amiguinhos, ou colecionadores sempre atentos ao fetiche da hora, desde que muitíssimo bem pago.

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O ator neozelandês Russell Crowe, o gladiador do cinema, reúne os dois estereótipos, o lúdico e o do ricaço pronto para o que der e vier com o cofre cheio. Em 2019, Crowe comprou o crânio de um mosassauro do colega Leonardo DiCaprio, motivado pelo fascínio de seus filhos por dinossauros. “Havia muita vodca envolvida na transação”, confessou o neozelandês, em misto de ironia e galhofa, a seu feitio. Anos antes, DiCaprio foi passado para trás por Nicolas Cage, em um leilão no qual arrematou o crânio de uma espécie de tiranossauro encontrada na Ásia por 276 000 dólares. Mas havia um problema com o fóssil do predador pré-histórico: ele havia sido roubado de uma escavação na Mongólia. Por fim, Cage acabou devolvendo o objeto às autoridades.

LEILÃO - O apatossauro Vulcain, vendido em Paris: 20 metros de comprimento
LEILÃO - O apatossauro Vulcain, vendido em Paris: 20 metros de comprimento (Antione Pascal/Divulgação)

A ascensão dos fósseis de dinossauros como objetos de luxo levanta relevantes questões em torno do papel da ciência, o acesso público ao conhecimento e a preservação de tesouros da paleontologia. “Os fósseis, antes de leiloados, deveriam ser rigorosamente estudados e o comprador poderia se tornar um fiel depositário, responsabilizando-se por qualquer dano à peça”, diz o professor Álamo Saraiva, coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará.

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A legislação americana contrasta com a realidade de países como o Brasil, onde a posse e o comércio são controlados pelo Estado. “O progresso brasileiro é resultado de iniciativas individuais, e não de uma política de Estado”, diz Saraiva. É imperativo, portanto, um debate amplo sobre o futuro da paleontologia, buscando equilíbrio entre interesse científico da sociedade e o direito à propriedade privada. A história desses gigantes não pode dormir em garagens e galpões de residências particulares. Levá-los ao museu, como se fez com o Apex, é bom passo.

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição nº 2923

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