Os hunos, afinal, não eram tão bárbaros assim, diz estudo
Pesquisadores suspeitam que Átila e seu povo invadiram e derrotaram o Império Romano motivados pela seca extrema e a fome

Átila, o rei dos Hunos, costumava se gabar de que, por onde seu cavalo passava, não crescia mais grama. De 434 a 453, ele governou um território que se estendia dos Alpes e do Mar Báltico até o Mar Cáspio. Ganhou dos romanos o singelo apelido de “Flagelo de Deus”, entre outras razões, porque foi o único invasor a quebrar as organizadas linhas militares imperiais no sul dos Bálcãs, Grécia, Itália e a Gália. Não se sabia ao certo o que motivou o líder bárbaro e seu povo a se lançarem em uma empreitada tão arriscada. Analisando registros climáticos da região onde viviam, pesquisadores acreditam ter encontrado a razão.
Publicado no Journal of Roman Archaeology, um estudo argumenta que os períodos de seca extrema dos anos 430 até 450 interromperam os modos de vida nas províncias fronteiriças do Danúbio com o império romano oriental, forçando os hunos a adotarem novas estratégias para enfrentar os desafios que se impunham. Os autores, a professora-assistente Susanne Hakenbeck, do Departamento de Arqueologia de Cambridge, e o professor Ulf Büntgen, do Departamento de Geografia da universidade, chegaram às suas conclusões após avaliar um modelo climático baseado em anéis de árvores, assim como evidências arqueológicas e históricas.
As incursões dos hunos na Europa oriental e central nos séculos IV e V há muito são vistas como a crise inicial que desencadeou as chamadas “Grandes Migrações” de “Tribos Bárbaras”, levando à queda do Império Romano. Mas de onde vieram os hunos e qual seu impacto nas províncias romanas, porém, não estava claro. “Se a escassez de recursos se tornou muito extrema, as populações assentadas podem ter sido forçadas a se mudar, diversificar suas práticas de subsistência e alternar entre a agricultura e o pastoreio móvel de animais”, disse Hakenbeck. “Essas podem ter sido importantes estratégias de segurança durante uma crise climática.”
Os ataques hunos na fronteira romana se intensificaram depois que Átila chegou ao poder no início da década de 430. Os hunos exigiam cada vez mais pagamentos em ouro e, eventualmente, uma faixa de território romano ao longo do Danúbio. Em 451, os hunos invadiram a Gália e um ano depois invadiram o norte da Itália. Tradicionalmente, os hunos são retratados como bárbaros violentos movidos por uma “sede infinita de ouro”. Mas, como aponta este estudo, as fontes históricas que documentam esses eventos foram escritas principalmente pela elite romana que tinha pouca experiência direta com os povos e eventos que descreviam.
“Fontes históricas nos dizem que a diplomacia romana e huna era extremamente complexa”, disse Hakenbeck. “Inicialmente, envolvia acordos mutuamente benéficos, resultando em elites hunas obtendo acesso a grandes quantidades de ouro. Esse sistema de colaboração quebrou na década de 440, levando a ataques regulares às terras romanas e aumentando a demanda por ouro.”
O estudo sugere que uma das razões pelas quais os hunos atacaram as províncias da Trácia e da Ilíria em 422, 442 e 447 foi para adquirir alimentos e gado, em vez de ouro, mas destaca que evidências concretas são necessárias para confirmar isso. Os autores também sugerem que Átila exigia uma faixa de terra com “cinco dias de viagem de largura ” ao longo do Danúbio porque isso poderia oferecer melhores pastagens em épocas de seca.
“O clima altera o que os ambientes podem fornecer e isso pode levar as pessoas a tomar decisões que afetam sua economia e sua organização social e política”, disse Hakenbeck. “Tais decisões não são diretamente racionais, nem suas consequências necessariamente bem-sucedidas a longo prazo. Este exemplo da história mostra que as pessoas respondem ao estresse climático de maneiras complexas e imprevisíveis, e que soluções de curto prazo podem ter consequências negativas a longo prazo.”
Por volta de 450, apenas algumas décadas de sua aparição na Europa central, os hunos haviam desaparecido. O próprio Átila morreu em 453.