Os hipopótamos de Pablo Escobar incomodam muita gente
Estrelas do zoo particular do traficante, quatro animais escaparam e se multiplicaram. Hoje são oitenta, causando transtornos ao ecossistema
Quase três décadas depois da morte de Pablo Escobar, a herança do narcotraficante continua a atormentar as autoridades da Colômbia. O problema agora é, com perdão do trocadilho, de enorme peso: uma família de oitenta hipopótamos que tem sua origem nos quatro exemplares hospedados por Escobar na Fazenda Nápoles, propriedade a 180 quilômetros de Medellín onde, nos áureos tempos, ele instalou um portentoso zoológico. Pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego encarregados de analisar essa invasão de alienígenas praticamente inédita constataram que o aumento exponencial da prole não representa apenas um risco para a população local (pode não parecer, mas os hipopótamos estão entre os animais mais mortíferos do mundo). Eles se tornaram uma ameaça também ao equilíbrio do ecossistema na Província de Antioquia. “Sua presença nos lagos e rios tende a prejudicar a qualidade da água em toda a região”, destaca o biólogo americano Jonathan Shurin, chefe da equipe de pesquisadores.
Os hipopótamos se alimentam de plantas durante a noite e passam o dia todo dentro d’água. É nas vias aquáticas que digerem o que comeram, e aí mora o principal problema ambiental, chamado de eutrofização: a vasta quantidade de material orgânico produzida por eles suja lagos e rios e facilita a proliferação de algas e bactérias, que podem passar a disputar o oxigênio com peixes e outras espécies. Algumas dessas bactérias podem, inclusive, ser nocivas para quem consumir peixes contaminados. “Como nunca tivemos hipopótamos na América, ninguém sabe quais organismos serão afetados nessa cadeia”, destaca o zoólogo Pablo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mesmo na África, onde a multiplicação da espécie é contida por predadores, que atacam sobretudo os filhotes (poucos se atrevem a desafiar os adultos), e os microrganismos aquáticos estão adaptados à produção orgânica dos grandalhões, os hipopótamos são capazes de causar alterações drásticas nos arredores dos lagos em que se instalam.
Até agora, nenhum hipopótamo avançou contra pessoas em Antioquia, mas os descendentes das três fêmeas e um macho originais (por sinal, os xodós de Escobar) já foram avistados nas vizinhanças de cidades banhadas pelo Rio Magdalena. A invasão de populações de animais estranhos a ecossistemas não é incomum e já foi amplamente estudada pela ciência, mas o caso da Colômbia é inédito. “Não há registro de mega-herbívoros não autóctones em lugar algum do mundo”, ressalta o ecólogo Felipe Pedrosa, da Unesp, estudioso de javalis — uma das 100 espécies invasoras mais nocivas do planeta, transplantada da Europa para as Américas no início do século XX. Quando mamíferos de grande porte causam transtornos, a legalização da caça é vista como um método de controle. Mas o que fazer se o problema pesa cerca de 2 toneladas, tem dentes afiados e, ainda por cima, fama de bichinho simpático no universo infantil? “Os hipopótamos são animais muito carismáticos, apesar de violentos”, define o biólogo David Echeverria, do Cornare, órgão responsável pela preservação do meio ambiente na província colombiana.
Os pesquisadores calculam que, se nada for feito, o número de paquidermes poderá chegar a 400 em trinta anos, visto que não existem predadores naturais. Remover os animais para outros zoológicos, como aconteceu com os demais bichos do zoo de Escobar, também é inviável, segundo Echeverria — só o transporte aéreo de um hipopótamo adolescente custa 100 000 dólares por hora. A solução mais adequada é a castração química a distância, evidentemente, através de dardos. “Estamos em busca de recursos para fazer o procedimento”, diz o biólogo. Parafraseando o clássico sucesso infantil, oitenta hipopótamos incomodam muita gente.
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677