Os achados da nova rodada de escavações no sítio arqueológico de Pompeia
Foram desenterrados objetos inéditos e desvendados aspectos desconhecidos da vida cotidiana no Império Romano
Na segunda metade do século I, a vida cotidiana em Pompeia, antiga cidade romana no sul da Itália, se assemelhava a uma metrópole moderna, com sua mistura de interação social, comércio movimentado e lazer ubíquo. Naquela época, havia também escravidão, templos dedicados a vários deuses e uma oligarquia dominante. No entanto, a presença do Monte Vesúvio lançava uma sombra sobre o intenso cenário. Em 62 d.C., terremotos já haviam causado danos à população, e alguns habitantes podem ter sentido tremores desconfortáveis. A erupção do vulcão em 79 d.C. soterrou tudo o que havia ao pé da montanha, inclusive as comunidades vizinhas de Stabia, Herculano e Torre Annunziata. A lava preservaria um retrato daquele pedaço do mundo para o futuro.
Durante muito tempo, Pompeia permaneceu enterrada sob uma camada de cerca de 6,5 metros de pedras vulcânicas e cinzas. O súbito sepultamento da cidade serviu para ajudar a protegê-la do vandalismo, dos saques e dos efeitos destrutivos do clima e do tempo durante os dezessete séculos seguintes. Ao mesmo tempo, porém, privou as gerações que se seguiram de mergulhar nos seus segredos e meandros, porque as escavações, que remontam a meados do século XVIII, quando as ruínas de Herculano foram descobertas, eram precárias e muito delicadas. Isso mudou recentemente, quando uma nova geração de arqueólogos iniciou uma nova rodada de investigações no local. Com cerca de um terço ainda desconhecido, há uma excitação compreensível a cada nova descoberta, e elas não param.
A mais recente é a “sala negra”, trazida à luz durante as escavações em curso. O salão de banquetes, com paredes obviamente pretas, foi decorado com temas mitológicos inspirados na Guerra de Troia. O destaque vai para um conjunto de afrescos simples e delicados da vida como ela era na aristocracia local. As paredes foram pintadas de preto provavelmente para evitar as manchas de fumaça das lâmpadas a óleo que eram acesas ao entardecer. A escolha também teria um efeito adicional, um tanto quanto cinematográfico. “A luz bruxuleante das lamparinas dá a sensação de que as imagens se movem, especialmente depois de algumas taças de um bom vinho, como as que costumavam ser tomadas na luxuosa sala de jantar”, diz Gabriel Zuchtriegel, diretor do parque arqueológico.
As pinturas retratam deuses e humanos envolvidos no mítico conflito que instalou em lados opostos gregos e troianos. Além de Helena e Páris, indicadas numa inscrição grega, aparece nas paredes do salão a figura de Cassandra, filha de Príamo, ao lado de Apolo. Elas se somam a um acervo crescente. Uma padaria antiga, uma sala adornada com serpentes, mosaicos em ladrilho, a ilustração de uma ancestral da nossa conhecida pizza (porém, sem tomates e queijo) e esqueletos humanos. “Este é o maior sítio arqueológico que nós temos da Antiguidade do Ocidente, e se manteve intacto por séculos, preservando uma série de informações que não podem ser vistas em nenhum outro lugar”, diz a historiadora Lourdes Madalena Gazarini, pesquisadora de Pompeia há mais de duas décadas.
A escavação atual, a maior dos últimos cinquenta anos, pretende revelar surpresas, mas zela por relíquias já desenterradas. É trabalho minucioso. Enquanto as pás e escovas dos arqueólogos deslizam pela terra milenar, não é apenas a poeira que se ergue, mas também a aura mágica da Antiguidade. Ainda que o propósito principal seja a conservação, a promessa de novas descobertas continua a deslumbrar os curiosos. Utilizando tecnologias de ponta, como drones para imagens em 3D, radares e sondas sônicas para escanear o solo, além de experts em DNA para analisar ossos, os especialistas usam todas as ferramentas disponíveis para desvendar os mistérios que jazem sob as ruínas antigas, embora muito ainda reste para ser descoberto. Contudo, fica a previsão certeira de Plínio, o Jovem, um dos poucos a presenciar e descrever em detalhes a tragédia de Pompeia. “A história deste desastre viverá para sempre”, escreveu ele para o historiador Tácito. Ele estava absolutamente certo: é o que mostra cada centímetro de poeira removida.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889