O que a maior extinção da Terra nos ensina sobre o futuro
O evento de Extinção Permo-Triássico oferece uma advertência assustadora sobre os perigos de desestabilizar o clima
Sempre que alguém me pergunta o que faço da vida e respondo que sou paleontólogo, não é raro ouvir “que legal, você estuda dinossauros!”. Muito por conta da influência de Jurassic Park, criou-se uma equivalência, na imaginação do público, entre paleontologia e o estudo dos dinossauros. Felizmente, a paleontologia é muito mais do que isso. Assim como hoje temos grupos diversos e díspares de anfíbios, répteis, mamíferos, peixes, etc., o mesmo era verdade na Era Mesozoica. E antes, também.
Eu mesmo estudo dicinodontes, um grupo de parentes distantes dos modernos mamíferos, que surgiu dezenas de milhões de anos antes dos primeiros dinossauros. Tendo se originado no período Permiano e desaparecendo no final do período seguinte, o Triássico, os dicinodontes sobreviveram à maior extinção em massa pela qual sabemos que a Terra já passou — O Evento de Extinção Permo-Triássico (EEPT), também conhecido como “A Grande Mortandade”. Foi um evento tão devastador que a própria vida quase morreu, se me permitem parafrasear o título de um livro sobre o assunto.
O EEPT ocorreu há cerca de 252 milhões de anos, mas há uma conexão assustadora — e pedagógica — com a modernidade: estudos revelam que, assim como nós estamos alterando a atmosfera terrestre e rumando para uma Sexta Extinção em massa, algo similar ocorreu no fim do Permiano. Um estudo recente publicado na Science reforça a mensagem: não brinque com a atmosfera!
A hipótese mais aceita até o momento sugere que o EEPT foi causado por um aquecimento rápido da Terra, que por sua vez teria sido um efeito da liberação de grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), causada por intensa atividade vulcânica na região dos Trapps Siberianos. Esse evento de derramamento de lava ocorreu em uma área gigantesca, equivalente ao tamanho da Austrália, no que hoje é a Rússia, e desencadeou um aumento significativo nas temperaturas, além de gerar chuva ácida e acidificação dos oceanos. Fora a lava, soa familiar… Não é?
O novo estudo na Science demonstra ainda outra similaridade assombrosa. Segundo o grupo de autores, um mega El Niño deve ter desempenhado um papel fundamental naquele evento de extinção. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, o “El Niño é caracterizado pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na linha do Equador”. Embora o El Niño se origine no Pacífico, ele pode afetar o clima ao redor do mundo.
Normalmente, o El Niño ocorre em intervalos de dois a sete anos, e tem duração de entre nove e doze meses. Durante as fases mais intensas de aquecimento do EEPT, contudo, um evento do tipo El Niño poderia durar até 10 anos. Pode não parecer muita coisa, mas considere do que um El Niño comum é capaz. Segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA):
“O El Niño também tem um forte impacto na vida marinha ao longo da costa do Pacífico. Em condições normais, a ressurgência traz água das profundezas para a superfície; essa água é fria e rica em nutrientes. Durante o El Niño, a ressurgência enfraquece ou para completamente. Sem os nutrientes das profundezas, há menos fitoplâncton na costa. Isso afeta os peixes que se alimentam de fitoplâncton e, por sua vez, afeta toda a cadeia alimentar que depende desses peixes. As águas mais quentes também podem trazer espécies tropicais… para áreas que normalmente são frias demais para elas”.
Os mega El Niños no final do Permiano também foram capazes de alterar a quantidade de CO2 atmosférico. As condições de temperatura nos trópicos se tornaram extremamente elevadas, e no fim espalharam-se para latitudes maiores.
A vegetação sofreu grande impacto. Menos vegetação significa que menos CO2 está sendo removido da atmosfera. Ou seja, os níveis de CO2 atmosférico tendiam a se elevar, o que só agravava os eventos climáticos extremos causados pelo El Niño. Era um ciclo de retroalimentação de dimensões apocalípticas.
Os autores sumarizam:
“À medida que a pressão parcial atmosférica de dióxido de carbono dobrou de cerca de 410 para aproximadamente 860 ppm (partes por milhão) no final do Permiano… os eventos de El Niño se intensificaram. Os consequentes desflorestamento, destruição de recifes e crise do plâncton marcaram o início de um desastre ambiental em cascata. A redução da captura de carbono desencadeou um efeito de retroalimentação positiva, resultando em um aquecimento ainda maior e, consequentemente, em eventos de El Niño mais intensos”.
Estima-se que essas mudanças ocorreram num intervalo de tempo de 100 mil anos. O que torna tudo ainda mais preocupante agora. Por centenas de milhares de anos, os níveis de CO2 atmosféricos estiveram abaixo de 300 ppm. Atualmente, chegam a 420 ppm. O problema não é o número em si, mas a rapidez com que ocorreu injeção de CO2 na atmosfera. Considerando apenas o período entre abril de 1958 e julho de 2024, saímos de 317 para 425 ppm, um aumento de quase 35% em 66 anos! Se considerarmos um intervalo de tempo maior, a coisa se torna ainda mais tensa.
Desde o início da Revolução Industrial, no século 18, as atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, desmatamento e produção industrial, aumentaram significativamente os níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Hoje, a quantidade de CO2 é 50% maior do que era em 1750. Esse aumento é extremamente preocupante, pois supera até mesmo o crescimento natural do CO2 que ocorreu no final da última era do gelo, há cerca de 20 mil anos, quando o planeta passou por uma transição climática importante. Diferente do processo natural que levou milhares de anos, o aumento atual aconteceu em apenas alguns séculos, e suas consequências sobre o clima global são muito mais rápidas e severas.
Claro, provavelmente jamais chegaremos ao nível dos eventos do Permiano final. Paul Wignall, um dos coautores do estudo, explicou à CNN:
“A extinção do final do Permiano é a maior crise da história da Terra do ponto de vista da vida, mas não acho que algum dia chegaremos perto dessas condições novamente, porque (a Terra naquela época) era um planeta realmente estranho, com um continente de um lado e um oceano gigantesco do outro. O planeta estava realmente vulnerável”.
A vida resistirá, como resistiu ao EEPT. A Terra resistirá. O ser humano não destruirá a vida, nem o planeta. Ainda não. Mas a devastação que a sexta extinção traz consigo é um perigo para nós, humanos. E um perigo iminente. Um perigo real. Já está entre nós. É melhor que façamos o possível para mitigar os seus efeitos. A questão não é salvar “a vida” ou “o planeta”. É salvar-nos. É decidir se ainda haverá “nós” num futuro já não tão distante.