Longe da meta, desafio do desenvolvimento sustentável exige urgência
Na metade do caminho até o prazo estabelecido, em 2030, apenas 15% dos chamados “objetivos de desenvolvimento sustentável” estão aptos a serem cumpridos
A histórica Conferência de Estocolmo, em 1972, foi o primeiro encontro sobre o clima a usar a expressão “desenvolvimento sustentável”. É, portanto, ideia ainda recente, com pouco mais de cinquenta anos — quase nada, um espirro, diante da aventura da civilização na lida com a Terra. Vivemos ainda na infância de uma das mais relevantes e urgentes discussões de nosso tempo, impossível de ser negligenciada — ou, como disse o ex-secretário geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, “não existe plano B, porque não existe planeta B”. A velocidade ao tratar dos problemas é fundamental, e não há outro caminho, como apontaram com estridência os líderes globais que subiram ao púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, na semana passada.
Revela-se a dimensão do beco sem saída a partir de um documento divulgado pela própria ONU dias antes do encontro novaiorquino. O estudo mostra que apenas 15% — sim, só 15% — dos dezessete “objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS)” aprovados em 2015 na cúpula de Paris serão cumpridos até o ano de 2030, como foi acordado (leia no quadro). O plano, se bem encaminhado, levaria a um mundo razoavelmente pacífico, sem fome, menos desigual e ambientalmente equilibrado. Estamos no meio do caminho e, caso a toada permaneça vacilante como a de agora, muito possivelmente não chegaremos lá, ao contrário. É insustentável.
Atribui-se parte da inanição a guerras como a na Ucrânia, além de tantas outras que pululam por aí. Põe-se a culpa na pandemia. Há dezenas de explicações, e elas chegam a ser razoáveis. Falta, contudo, o essencial: a vontade política e a coragem de muitas nações, especialmente as mais ricas, de abrirem mão de privilégios. Os resultados, alimentados pelo descuido do ser humano com o ambiente ao redor, assustam. O acerto de 2015 limitou o aquecimento global a 1,5 grau até o fim do século, para os níveis do período pré-industrial. Na tendência atual, no entanto, esse número pode atingir alarmantes 2,8 graus — e é quase certo que um dos próximos cinco anos será o mais quente já registrado. Somem-se dados ainda mais alarmantes, por palpáveis: até o fim da década, estima-se que a fome alcance mais de 600 milhões de pessoas; 575 milhões viverão em extrema pobreza; e 84 milhões de crianças estarão fora da escola. Para piorar, a transição energética, de combustíveis fósseis para os de matriz limpa,como a solar e a eólica, tem ficado cada vez mais cara e economicamente inviável. “As mudanças climáticas impactam cada um dos ODSs porque elas se infiltram profundamente no dia a dia de cada um de nós”, disse a VEJA Lauren Stuart, coordenadora do relatório da ONU que avalia o progresso das ações e membro da Organização Meteorológica Mundial.
Não vivemos, é óbvio, o fim dos tempos — e toda conclusão apocalíptica tende ao desserviço. Os cientistas contudo, já encontram evidentes sinais de danos provocados pelo descontrole. As ondas de calor de 2023, na Europa, os incêndios florestais no Canadá e as tempestades na China são indícios de existir extremos que antes não apareciam. Mesmo o calorão atípico para o fim de inverno em algumas regiões do Brasil, provocado por um fenômeno natural, o El Niño, bebe de transformações climáticas recentes, multiplicadas pela industrialização desenfreada.
Ressalve-se, porém, haver boas notícias, e elas precisam ser destacadas. Houve avanços consideráveis em infraestrutura, em moradia e em conexão à internet, por exemplo. As correções de prumo são fruto de um casamento fundamental, o dos governos e da iniciativa privada com a ciência. Nasceram dessa parceria invenções como o carro elétrico, os modelos adequados de compensação de carbono e a predição, em robustos programas de computadores, de eventos naturais. “A ciência tem papel decisivo ao ajudar na adaptação e regionalização de soluções para diferentes contextos”, disse a VEJA Cameron Allen, pesquisador da Universidade Monash, da Austrália. O amoldamento a diferentes situações é compulsória. Até agora, a maior parte das pesquisas foi elaborada em países desenvolvidos e nem sempre puderam ser extrapoladas para os mais pobres, afetados pelas emergências climáticas e sociais.
O Brasil tem o potencial de liderar o movimento global, como prometeu Lula no plenário da ONU, mas antes terá de fazer correções imediatas. Durante a presidência de Jair Bolsonaro, o compromisso com as dezessete metas da ONU foi escandalosamente ignorado. “O governo extinguiu a única comissão que avaliava esses avanços e se distanciou dos fóruns”, disse a VEJA o coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão. Nas últimas semanas, a equipe liderada pela ministra Marina Silva restituiu o órgão responsável por cobrar a incorporação dos objetivos combinados e, nos primeiros meses de administração, teve sucesso em reduzir o desmatamento da Amazônia. É passo fundamental, mas que exige atenção nos próximos anos. Convém ao Brasil entender que faz parte de uma engrenagem global, feita de exigências, mas também de concessões e permanente diálogo. É desafio imenso, traduzido com cuidado pelo secretário-geral da ONU, o português António Guterres, que reivindicou um compromisso global, mas, como manda a tradição, não apontou culpados nem fez cobranças contundentes. “A humanidade abriu os portões do inferno”, disse Guterres.
Como não basta esperar sentado as decisões oficiais, e a carruagem das autoridades é ineficaz e paternalista, cabe envolver a sociedade civil, especialmente os mais jovens, na briga pelos compromissos estabelecidos — em preocupação permanente, sem baixar a guarda, como faz a ativista sueca Greta Thunberg, de 20 anos, aquela a quem Bolsonaro chamou estupidamente de “pirralha”. A pirralha tem razão, e graças a posturas como a dela, aquele sonho anunciado como novidade ao mundo em 1972 permanece vivo. Agora, com uma régua real, a das metas que têm sido vilipendiadas. Há, felizmente, tempo de recuperação e esperança.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860