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O buda histórico: descobertas ampliam a ideia de Sidarta Gautama ter realmente existido

Revelação entusiasma os discípulos do líder espiritual

Por Natalia Tiemi Hanada Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 4 Maio 2025, 08h00

Um lugar sagrado e uma família de árvores estão no centro da adoração a Sidarta Gautama, o Buda, líder espiritual de uma religião adotada por pelo menos 500 milhões de pessoas em todo o mundo, em torno do qual brotou uma cultura cujos ensinamentos pregam a busca da paz interior. O lugar é a cidade de Lumbini, no Nepal, onde ele teria nascido, em 563 a.C., numa localidade que então pertencia à Índia. A árvore é a Ficus religiosa, popularmente conhecida como figueira-dos-­pagodes, de folhas delicadas em formato de coração. Debaixo de uma delas, o Buda teria alcançado o despertar espiritual, para depois abandonar o fausto em busca da simplicidade e da expansão de suas ideias.

A novidade: a reputada revista Frontiers of Geochemistry, da Suíça, acaba de revelar a existência de vestígios da espécie frutífera próximo a um antigo canal adjacente ao Templo de Maya Devi, em Lumbini, batizado em homenagem à suposta mãe do personagem. A constatação botânica, portanto, dá as mãos à narrativa mística de que um momento seminal da trajetória budista tenha ocorrido debaixo de frondosa folhagem. Fez-se justificado barulho entre os fiéis porque toda adoração pede pequenas confirmações, pedacinhos de um quebra-cabeça a montar a grande história. A figueira, como testemunha do passado, por assim dizer, reforça o relato ancestral.

Young Nepalese Buddhist monks worship at the Maya Devi Temple, Lumbini, Nepal on March 20, 2019. The site traditionally considered the birthplace of Gautama Buddha and is one of the most important pilgrimage sites for Buddhists from all over the world. (Photo by Oleksandr Rupeta/NurPhoto) (Photo by Oleksandr Rupeta / NurPhoto / NurPhoto via AFP)
CULTO - Local onde Maya Devi teria dado à luz: templo se tornou um ponto de atração para fiéis e turistas (Oleksandr Rupeta/AFP)

O anúncio científico sucede a duas outras revelações arqueológicas. No templo, Indianas Jones modernos identificaram novos indícios de uma estrutura de madeira datada do século VI a.C., possivelmente o santuário mais antigo já descoberto. A construção corrobora a tradição passada de geração para geração, a partir de relatos orais depois registrados por monges, como costuma acontecer nas crenças que atraem multidões: Maya Devi teria dado à luz em um espaço semelhante ao que agora foi descoberto. Além disso, escavações em Tilaurakot, a cerca de 27 quilômetros de Lumbini, desenterraram os restos de uma cidade fortificada ao redor de um palácio. Interpreta-se o achado como possíveis restos de Kapilavastu, o vilarejo onde Gautama teria passado sua juventude antes de renunciar ao mundo dourado que o cercava. Artefatos como moedas de prata e cerâmica compõem o painel apto a conversar com o culto budista.

É aventura que não cessa, como se a obsessão por comprovações fosse um mantra. Em 2013, uma equipe liderada pelo arqueólogo britânico Robin Coningham, da Universidade de Durham, no Reino Unido — o mesmo que acaba de fornecer a pista arbórea —, deu o primeiro grande salto ao identificar, por meio de escavações, um quadrilátero que associava, pela primeira vez, o nascimento do Buda a um século específico, o VI a.C. Até então, as evidências datavam do século III a.C. (mais recentes, portanto), do tempo do imperador Asoka, que promoveu a expansão do budismo do atual Afeganistão a Bangladesh e dali para toda a Ásia. “A relevância do sítio, que tem muito ainda a ser trabalhado, nos levou a criar um mapa de risco, que identifica as áreas vulneráveis”, disse Coningham a VEJA. É delicado trabalho de ourives, atento ao zelo religioso, em terra cultuada. Lumbini, patrimônio histórico da Unesco desde 1997, é alvo de peregrinação, tanto de fiéis quanto de turistas ansiosos pelas belezas locais. Não se pode ofender uns e afastar outros.

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mapa Nepal

Os budistas celebram os resultados das investigações por representarem janelas para a crença. Em 2017, um acadêmico canadense publicou um artigo em um periódico de estudos budistas com um argumento ruidoso: segundo ele, não seria possível ter certeza da existência do Buda. “Embora seja universalmente aceito que o Buda tenha vivido”, escreveu o especialista, “mais de dois séculos de estudos não conseguiram estabelecer nada sobre ele. Ficamos, portanto, com a proposição um tanto estranha de que o budismo foi fundado por uma figura histórica que não foi associada a nenhum fato histórico.” Houve críticas, sobretudo de quem achava insignificante o Buda ter sido ou não real. O que importa — e assim é — é a relevância imaterial da figura a deflagrar um modo de vida. O dalai-lama, o mais famoso discípulo de Sidarta Gautama, reagiu com inteligência: “Considero lamentável que ninguém, nem mesmo os budistas, saiba quando nosso mestre… realmente viveu”, escreveu o líder tibetano em A Arte da Felicidade. “Tenho considerado seriamente a possibilidade de realizar alguma pesquisa científica. Existem relíquias na Índia e no Tibete que as pessoas acreditam ser do próprio Buda. Se fossem examinadas com técnicas modernas, poderíamos estabelecer algumas datas precisas.”

É o ponto de agora. Os festejos do próximo 5 de maio, dia em 2025 de celebração do nascimento do “iluminado” (nem sempre cai na mesma data, porque a contagem é feita pelo calendário lunar e não pelo gregoriano), levarão multidões para Lumbini em busca de recompensa para a alma debaixo de figueiras. É bonito quando ciência e espiritualidade caminham junto, ainda que seja apenas para nos fazer pensar, como intuem os céticos. Já para os seguidores de Sidarta, cada recente descoberta se encaixa no grande quebra-­cabeça histórico e comprova a máxima de que “toda grande caminhada começa com um simples passo”, conforme ensinou o Buda.

Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942

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