O buda histórico: descobertas ampliam a ideia de Sidarta Gautama ter realmente existido
Revelação entusiasma os discípulos do líder espiritual

Um lugar sagrado e uma família de árvores estão no centro da adoração a Sidarta Gautama, o Buda, líder espiritual de uma religião adotada por pelo menos 500 milhões de pessoas em todo o mundo, em torno do qual brotou uma cultura cujos ensinamentos pregam a busca da paz interior. O lugar é a cidade de Lumbini, no Nepal, onde ele teria nascido, em 563 a.C., numa localidade que então pertencia à Índia. A árvore é a Ficus religiosa, popularmente conhecida como figueira-dos-pagodes, de folhas delicadas em formato de coração. Debaixo de uma delas, o Buda teria alcançado o despertar espiritual, para depois abandonar o fausto em busca da simplicidade e da expansão de suas ideias.
A novidade: a reputada revista Frontiers of Geochemistry, da Suíça, acaba de revelar a existência de vestígios da espécie frutífera próximo a um antigo canal adjacente ao Templo de Maya Devi, em Lumbini, batizado em homenagem à suposta mãe do personagem. A constatação botânica, portanto, dá as mãos à narrativa mística de que um momento seminal da trajetória budista tenha ocorrido debaixo de frondosa folhagem. Fez-se justificado barulho entre os fiéis porque toda adoração pede pequenas confirmações, pedacinhos de um quebra-cabeça a montar a grande história. A figueira, como testemunha do passado, por assim dizer, reforça o relato ancestral.

O anúncio científico sucede a duas outras revelações arqueológicas. No templo, Indianas Jones modernos identificaram novos indícios de uma estrutura de madeira datada do século VI a.C., possivelmente o santuário mais antigo já descoberto. A construção corrobora a tradição passada de geração para geração, a partir de relatos orais depois registrados por monges, como costuma acontecer nas crenças que atraem multidões: Maya Devi teria dado à luz em um espaço semelhante ao que agora foi descoberto. Além disso, escavações em Tilaurakot, a cerca de 27 quilômetros de Lumbini, desenterraram os restos de uma cidade fortificada ao redor de um palácio. Interpreta-se o achado como possíveis restos de Kapilavastu, o vilarejo onde Gautama teria passado sua juventude antes de renunciar ao mundo dourado que o cercava. Artefatos como moedas de prata e cerâmica compõem o painel apto a conversar com o culto budista.
É aventura que não cessa, como se a obsessão por comprovações fosse um mantra. Em 2013, uma equipe liderada pelo arqueólogo britânico Robin Coningham, da Universidade de Durham, no Reino Unido — o mesmo que acaba de fornecer a pista arbórea —, deu o primeiro grande salto ao identificar, por meio de escavações, um quadrilátero que associava, pela primeira vez, o nascimento do Buda a um século específico, o VI a.C. Até então, as evidências datavam do século III a.C. (mais recentes, portanto), do tempo do imperador Asoka, que promoveu a expansão do budismo do atual Afeganistão a Bangladesh e dali para toda a Ásia. “A relevância do sítio, que tem muito ainda a ser trabalhado, nos levou a criar um mapa de risco, que identifica as áreas vulneráveis”, disse Coningham a VEJA. É delicado trabalho de ourives, atento ao zelo religioso, em terra cultuada. Lumbini, patrimônio histórico da Unesco desde 1997, é alvo de peregrinação, tanto de fiéis quanto de turistas ansiosos pelas belezas locais. Não se pode ofender uns e afastar outros.
Os budistas celebram os resultados das investigações por representarem janelas para a crença. Em 2017, um acadêmico canadense publicou um artigo em um periódico de estudos budistas com um argumento ruidoso: segundo ele, não seria possível ter certeza da existência do Buda. “Embora seja universalmente aceito que o Buda tenha vivido”, escreveu o especialista, “mais de dois séculos de estudos não conseguiram estabelecer nada sobre ele. Ficamos, portanto, com a proposição um tanto estranha de que o budismo foi fundado por uma figura histórica que não foi associada a nenhum fato histórico.” Houve críticas, sobretudo de quem achava insignificante o Buda ter sido ou não real. O que importa — e assim é — é a relevância imaterial da figura a deflagrar um modo de vida. O dalai-lama, o mais famoso discípulo de Sidarta Gautama, reagiu com inteligência: “Considero lamentável que ninguém, nem mesmo os budistas, saiba quando nosso mestre… realmente viveu”, escreveu o líder tibetano em A Arte da Felicidade. “Tenho considerado seriamente a possibilidade de realizar alguma pesquisa científica. Existem relíquias na Índia e no Tibete que as pessoas acreditam ser do próprio Buda. Se fossem examinadas com técnicas modernas, poderíamos estabelecer algumas datas precisas.”
É o ponto de agora. Os festejos do próximo 5 de maio, dia em 2025 de celebração do nascimento do “iluminado” (nem sempre cai na mesma data, porque a contagem é feita pelo calendário lunar e não pelo gregoriano), levarão multidões para Lumbini em busca de recompensa para a alma debaixo de figueiras. É bonito quando ciência e espiritualidade caminham junto, ainda que seja apenas para nos fazer pensar, como intuem os céticos. Já para os seguidores de Sidarta, cada recente descoberta se encaixa no grande quebra-cabeça histórico e comprova a máxima de que “toda grande caminhada começa com um simples passo”, conforme ensinou o Buda.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942