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O bom filho a casa torna: a volta do Manto Tupinambá ao Brasil

Os indígenas criticaram a pouca transparência no processo de repatriação e a falta de acesso à peça durante sua chegada

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 29 dez 2024, 08h00

Na última semana de junho, o Manto Tupinambá de penas vermelhas confeccionado por indígenas há mais de 350 anos deixou o Nationalmuseet, o Museu Nacional da Dinamarca. Cuidadosamente removido da vitrine onde repousava, ele foi instalado em um “ninho” de papelão dentro de uma caixa de madeira especialmente projetada para suportar a longa viagem. Dias depois, o artefato chegou ao Brasil, sob sigilo, encerrando um litígio que durou mais de duas décadas.

A disputa teve início em 2000, quando representantes do povo tupinambá redescobriram o paradeiro da relíquia e deram início a uma campanha pelo seu regresso. O desfecho, no entanto, só veio em 2023, depois de intensas negociações, quando o governo dinamarquês anunciou o processo de devolução. Após o retorno, uma das ideias é criar um espaço onde os indígenas possam realizar rituais diante da peça, relevante para eles e para a história do Brasil.

Considerados sagrados pelos tupinambás, os mantos eram utilizados em cerimônias especiais, como assembleias, funerais e práticas antropofágicas — quando alguns povos nativos comiam a carne do inimigo em rituais de guerra e vingança. Não se sabe ao certo como o item foi parar na Dinamarca. O primeiro registro de sua presença por lá data de 1689, mas especula-se que possa ter sido fabricado até um século antes. É provável que tenha integrado a coleção de Frederico III, tataravô do atual monarca dinamarquês, Frederico X, que assumiu o trono em janeiro.

Com cerca de 1,20 metro de altura e 80 centímetros de largura, o manto, confeccionado por meio de técnicas ancestrais, é considerado um dos exemplares mais bem preservados entre os poucos itens remanescentes dos séculos XVI e XVII. Hoje, existem outros dez mantos tupinambás catalogados, todos localizados na Europa. Quatro deles estão no mesmo museu de Copenhague, armazenados em caixas metálicas na reserva técnica, fora de exibição pública.

No Brasil, o manto de penas de guará encontra-se agora sob a guarda do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde chegou enevoado em polêmicas. Do lado de lá do Atlântico, a ala conservadora da política dinamarquesa criticou duramente a devolução, classificando-a como uma “concessão ao decolonialismo”. Já por aqui, os indígenas criticaram a pouca transparência no processo de repatriação e a falta de acesso à peça durante sua chegada. De acordo com representantes tupinambás, o mistério que cercou o retorno do artefato impediu a realização de rituais simbólicos essenciais para o acolhimento do elemento sagrado. Ainda assim, corrigido o erro, a comunidade celebrou o regresso com três dias de festas e ritos. Mais de 200 representantes indígenas tupinambás vieram saudar o velho conhecido. Até mesmo o presidente Lula esteve presente. Em coro, entoava-se: “Nós somos os filhos, netos e bisnetos do Manto Tupinambá”. Demorou três séculos, mas o símbolo sagrado estava, finalmente, de volta a casa.

Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924

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