Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Nova pesquisa mostra que a intuição é poderosa aliada para a inovação

Por muito tempo relegado ao rol dos misticismos, o pensamento que não se fia na racionalidade pura tem um papel fundamental para a criatividade

Por Henrique Barbi 21 out 2023, 08h00

Conforme o mundo moderno foi sendo guiado pelas luzes do iluminismo, a razão passou a ser cultuada acima de tudo, ao mesmo tempo que a intuição ficou relegada ao rol dos misticismos e crendices. Mas aí veio a ciência e deu uma chacoalhada nessa percepção. O primeiro passo relevante para a reabilitação do pensamento intuitivo seria dado com sua definição científica pelo economista e prêmio Nobel israelense Daniel Kahneman, nos anos 1990, que mais tarde organizaria o conceito no best-seller Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Ali, ele contrasta o modo vagaroso, cercado de conjecturas e com muito uso da massa cinzenta, com um processo mais ligeiro, que aciona a memória e experiências para chegar a uma decisão. Depois, a neurociência entrou em campo para decifrar em que regiões do cérebro esses dois tipos de raciocínio germinam e identificou-os no mapa da mente. O primeiro, racional, se concentra na área do córtex, enquanto a intuição frutifica no sistema límbico e no chamado tronco encefálico. São, portanto, duas capacidades humanas que, empregadas com afinco, podem produzir resultados extraordinários.

Uma vasta pesquisa, conduzida pela Universidade de São Paulo em parceria com o Imperial College, de Londres, e a Montpellier Business School, da França, foi averiguar os resultados colhidos no mundo corporativo com ambos os caminhos do pensamento. Para tal, dividiu profissionais em grupos distintos e lhes pôs o mesmo desafio intelectual — uma ala deveria buscar soluções a partir da lógica pura, sem olhar o relógio, e a outra deixaria a intuição se encarregar do processo, dando respostas imediatas. Os problemas postos à mesa eram inéditos e exigiam a habilidade de juntar peças e botar a criatividade à prova. Pois a turma dos intuitivos se saiu melhor. “O resultado reforça a ideia de que o exercício cerebral dessa natureza é extremamente valioso no terreno da inovação e desconstrói o mito de que a intuição não tem utilidade no universo do trabalho”, diz Marlon Alves, autor da pesquisa e especialista em comportamento corporativo.

RAZÃO E SENSIBILIDADE - O analista de investimentos Rodolfo Costa, 21 anos, se debruça sobre previsões e tendências. “Mas às vezes uma boa dose de intuição ajuda”, diz
RAZÃO E SENSIBILIDADE – O analista de investimentos Rodolfo Costa, 21 anos, se debruça sobre previsões e tendências. “Mas às vezes uma boa dose de intuição ajuda”, diz (./Arquivo pessoal)

Está comprovado que todos os indivíduos possuem as duas habilidades — o xis da questão é quando saber usar cada uma delas. “Em certas situações, o excesso de dados e a razão em grau máximo são um freio à inventividade”, afirma o economista comportamental Robson Gonçalves, da Fundação Getulio Vargas. A nova leva de estudos sobre a intuição esclarece que ela funciona melhor justamente quando a pessoa não está cercada de um turbilhão de fatos e dados e também não se deixa levar pela emoção, um equilíbrio delicado. “Para que o pensamento intuitivo prospere, não dá para ficar preso a um modelo mental demasiadamente rígido”, diz o neurocientista Ariovaldo Silva Junior, da Federal de Minas Gerais.

No livro The Intuition Toolkit (“O kit de ferramentas da intuição”, em tradução livre), o psicólogo australiano Joel Pearson traça uma espécie de cenário ideal para a intuição se provar eficaz — entre elas, ter domínio sobre o tema e evitar que impulsos e desejos tomem conta do processo decisório. Importante também, lembra Pearson, é não aplicá-la quando os fatos apontam inequivocamente para uma certa direção. Aí, sim, o pensamento racional deve se sobrepor. “Previsões, estimativas, tendências — tudo isso é vital no mercado de capitais. Mas às vezes surge um evento-surpresa e uma boa dose de intuição ajuda”, afirma o analista de investimentos Rodolfo Costa, 21 anos.

Continua após a publicidade
“A intuição é um dom divino e a razão, uma serva fiel.” - Albert Einstein (1879-1955), físico alemão
“A intuição é um dom divino e a razão, uma serva fiel.” – Albert Einstein (1879-1955), físico alemão (Bettmann Archive/Getty Images)

Uma pesquisa conduzida pela University College London enfatizou a importância do pensamento intuitivo ao analisar a falta dele em pessoas que apresentavam diferentes graus de comprometimento da área em que floresce no cérebro. “Vimos que, quando a intuição não age, há maior dificuldade de tomada de decisões, o que sustenta a linha de que ela é um pilar vital”, explicou a VEJA o cientista inglês David Robson. Os especialistas afirmam que em todas as carreiras — mesmo as que envolvem as ciências exatas — é produtivo acionar a tal região da mente onde são armazenadas memórias e experiências que ajudam a nortear aquele pensamento que não é estritamente racional. Após ouvir centenas de enfermeiros no Reino Unido, professores da Universidade de East Anglia descobriram que, ao tratar de seus pacientes, eles consultavam os formulários-padrão apenas como ponto de partida. A ele, somavam-se o raciocínio clínico e, também ali, a intuição. “Aliar conhecimento à sensibilidade é um bom recurso. Com o tempo, você aprende a se ouvir e não abre mão disso”, diz Eduarda Lopes, 21 anos, da área de saúde pública da Fiocruz.

Cabeças excepcionalmente inovadoras revelaram em distintos momentos da história girar a roda da criatividade abrindo espaço ao pensamento intuitivo. “Meu instinto nunca me abandonou. Tenha coragem de seguir seu coração e intuição. Tudo o mais é secundário”, defendeu o visionário Steve Jobs (1955-2011), em memorável discurso a uma plateia de alunos da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Jobs não era dado a pesquisas de mercado para rastrear os desejos das pessoas. “Nossa missão é entender o que vão querer antes delas próprias”, pregava. Instado a refletir sobre sua genialidade, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) afirmou que era o híbrido de razão e intuição que o levava a desbravar territórios nos quais ninguém pisara antes. E assim enunciou a equação em que acreditava: “A intuição é um dom divino e a razão, uma serva fiel”. É difícil duvidar de um dos seres mais inteligentes que já viveu.

Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.