Nomes de mais de 200 espécies são alterados para remover termo racista
Palavra considerada calúnia racial em países sul africanos será substituída por "affra"
No Congresso Botânico Internacional, que ocorreu em Madrid, no fim de julho, um grupo de especialistas tomou uma decisão inédita. Em busca de corrigir um erro ortográfico e histórico, mudarão o nome de mais de 200 espécies de plantas para remover o termo “caffra”, considerado uma ofensa racial grave em países sul africanos, e substituir por “affra”. Reunião ainda decidiu por criar um comitê que avaliará futuras propostas de nomes para evitar a adoção de nomenclaturas ofensivas.
Traduzido como descrente, o termo primeiro foi utilizado para se referir a não muçulmanos, e, depois, adotado para fazer menção a escravos africanos. Na ciência, a palavra foi incorporada para batizar espécies descobertas no continente africano, sem levar em consideração que, por lá, seu significado é considerado ofensivo e seu uso pode ser penalizado com prisão por calúnia racial.
Mudanças como essa só costumam ocorrer quando há uma forte justificativa científica, como um equivoco em relação ao local onde a espécie foi descoberta. Pela primeira vez, no entanto, uma razão social foi adotada como base para a modificação — a aprovação ocorreu com um placar de 351 votos a favor e 205 contra. A decisão passa a valer em 2026, quando também será instaurada uma comissão de ética que avaliará novos nomes científicos.
Polêmica
A decisão foi recebida com protestos de alguns especialistas, que consideram complexa a mudanças que tantos nomes ao mesmo tempo. Eles alegam que a manutenção das mesmas nomenclaturas é importante para a botânica e que mudá-las dessa maneira pode causar problemas.
Apesar disso, esse pode ser um precedente que abrirá portas para mais discussões no futuro. Ao longo da extensa lista de nomenclaturas cientificas, diversas delas fazem referências a figuras polêmicas, como Adolf Hitler, ou adotam termos que podem ser ofensivos para grupos populacionais. É pouco provável que todos eles sejam alterados, mas as discussões, é fato, se tornarão mais frequentes.
Independentemente das decisões que forem tomadas, vale refletir sobre a raiz do problema. Se o ambiente acadêmico não fosse, historicamente, tão excludente e pouco diverso, talvez as alterações não precisassem ser feitas agora. Não vale chorar o leite derramado, mas os estragos feitos precisarão ser apontados, e, quando possível, apropriadamente corridos.