Nobel premia trabalhos que já transformaram o mundo ou vão mudá-lo
Os vencedores do prêmio de 2022 passeiam por todos os âmbitos da história
O paleogeneticista sueco Svante Pääbo passa a vida analisando fósseis de ancestrais humanos. Por sua vez, a bioquímica americana Carolyn Bertozzi mira o futuro ao desenvolver remédios contra o câncer. De seu lado, a francesa Annie Ernaux retrata em livros as experiências do cotidiano, enquanto o também francês Alan Clauser é mestre em partículas quânticas, que transcendem os limites do tempo. Apresentados a seguir, os vencedores do Nobel de 2022 passeiam por todos os âmbitos da história. Na segunda 10 sai o Nobel de Economia.
LITERATURA
Laureada: a francesa Annie Ernaux, de 82 anos.
Por que lê-la: por sua habilidade de escrever de forma cirúrgica sobre a sociedade europeia a partir de experiências pessoais, no que ela define como “autossociobiografia”. Ernaux conseguiu seu almejado certificado para ser professora de ensino médio dois meses antes da morte do pai. Ou teriam sido dois meses depois? Ela questiona a precisão da memória ao relacionar os eventos no início do livro O Lugar. Lançada em 1983, a obra enxuta de 72 páginas transita de forma fluida e profunda por oito décadas da história da França, observadas a partir das experiências de sua família — especialmente do pai, um comerciante sem estudo que batalhou para a filha ter um futuro mais promissor. O desejo louvável, eventualmente, cria um distanciamento social e intelectual difícil de ser superado entre eles. Ernaux estabelecia ali seu modus operandi de escrita: para ela, a vida é indissociável do meio. “Os eventos dos meus livros pertencem a todos, à história, à sociologia”, disse em entrevista recente.
O estalo se deu lendo Simone de Beauvoir e o sociólogo Pierre Bourdieu. Beauvoir lhe abriu os olhos para os privilégios masculinos. Bourdieu a fez questionar seu lugar no mundo, já que estava ligada ao meio de onde veio, uma pequena cidade na Normandia, e não ao ambiente intelectual da desenvolvida Lyon, onde se estabeleceria. Como descreveu a Academia Sueca, a autora “notou a incapacidade humana de se enxergar como é”. Feito atrelado a uma escrita primorosa.
MEDICINA
Laureado: Svante Pääbo, paleogeneticista sueco.
Por que ganhou: ele inaugurou o campo de estudos do material genético de ancestrais humanos, trazendo à luz informações que ajudam a explicar a evolução biológica da humanidade.
Utilidade prática: em 2006, no Instituto Max Planck, na Alemanha, Pääbo iniciou uma empreitada que parecia impossível: decifrar o DNA de fósseis de neandertais com mais de 40 000 anos. Quatro anos depois, publicou o sequenciamento genético da espécie, para espanto da comunidade científica, apresentando um trabalho que forneceu respostas fundamentais a respeito do que nós, Homo sapiens, também somos feitos. Ele descobriu ligações entre o DNA das duas espécies, mostrando que o homem moderno manteve relações sexuais com neandertais.
A convivência deu origem a novas famílias, entre elas a dos denisovanos, identificada pelo sueco. Graças às pesquisas de Pääbo, sabe-se que 2% do genoma de indivíduos de origem europeia e asiática apresenta variações nos genes que vieram dos neandertais associadas à reação contra infecções. Em 2020, o pesquisador constatou que essas pessoas têm risco maior para desenvolver a forma grave de Covid-19.
FÍSICA
Laureados: Alain Aspect, John F. Clauser e Anton Zeilinger.
Por que ganharam: pelos avanços que promoveram na mecânica quântica, área que investiga o comportamento de partículas menores do que os átomos.
Utilidade prática: o trio demonstrou a maneira pela qual duas partículas quânticas estão perfeitamente correlacionadas, independentemente da distância entre elas. Ao fenômeno dá-se o nome de entrelaçamento quântico. Supercomputadores capazes de criar algoritmos por meio da manipulação e leitura de sistemas quânticos podem usar ligações emaranhadas para transmitir informações impossíveis de ser decifradas. Útil em comunicações sigilosas.
QUÍMICA
Laureados: os americanos Carolyn R. Bertozzi e K. Barry Sharpless e o dinamarquês Morten Meldal. Uma curiosidade: Sharpless é bicampeão do Nobel. Ele faturou o prêmio em 2001 por um trabalho sobre construção molecular.
Por que ganharam: a trinca foi responsável pelo desenvolvimento da “química do clique”. A técnica consiste em unir moléculas de maneira simples, como se fossem blocos de Lego.
Utilidade prática: ela pode ser aplicada em organismos vivos sem alterar as células originais, algo promissor para o desenvolvimento de medicamentos eficazes contra o câncer. A tal química do clique também deu notável contribuição ao sequenciamento do DNA. Segundo os premiados, o novo campo de pesquisa ajudará ainda no desenvolvimento de polímeros e materiais completamente novos.
Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810