Necessidade de pesticidas no combate à fome é um mito, diz ONU
Relatório sustenta que é possível alimentar as 9,6 bilhões de pessoas que vão habitar a terra em 2050 sem o uso dessas substâncias
“É hora de derrubar o mito de que pesticidas são necessários para alimentar o mundo” afirmou Hilal Elver, relatora da Organização das Nações Unidas (ONU), na semana passada. A especialista em leis ambientais apresentou, junto a Baskut Tuncak, um novo relatório no qual defende que o uso de pesticidas não contribui para a erradicação da fome, sendo ainda prejudicial à saúde e à alimentação. Hial disse também que é hora de se “criar um novo processo global de transição para comidas e modos de produção mais seguros e saudáveis” durante a apresentação do documento, no Conselho de Direitos Humanos da entidade.
A publicação condena o uso de pesticidas e defende que é possível alimentar as 9,6 bilhões de pessoas que vão habitar a terra em 2050, segundo projeções da ONU, sem o uso das substâncias. Isso porque a produção alimentícia atual já têm a capacidade de suprir a demanda de 9 bilhões de indivíduos e que o problema está na “pobreza e desigualdade”, afirmou Hilal. No entanto, para a Associação de Proteção à Colheita, na Grã-Bretanha, segundo dados da própria ONU, sem o uso de ferramentas que protegem as plantações, “se perderia 80% da colheita para insetos, ervas daninhas e doenças”.
Riscos dos agrotóxicos
O recente relatório traz dados do impacto dessas substâncias, cujo uso cresceu “dramaticamente” nas últimas décadas, no meio ambiente e na saúde do homem. Ele menciona um estudo da Universidade de Lund, de 2013, que conclui que os praguicidas são responsáveis por, aproximadamente, 200 mil mortes envenenamento agudo. E, 99% delas são em países em desenvolvimento, segundo dados da ONU e da Organização Mundial da Saúde, onde “saúde, segurança e regulações ambientais são mais fracas e aplicadas com menos rigorosidade”, de acordo com o texto da ONU.
Conforme divulgado pelo órgão, a exposição crônica a pesticidas tem sido associada ao câncer, ao Alzheimer, ao Parkinson e a distúrbios hormonais, de desenvolvimento e de esterilidade. Agricultores, comunidades que vivem perto de plantações, indígenas, mulheres grávidas e crianças são os mais vulneráveis à exposição desses componentes químicos e requerem proteções especiais. Para os especialistas, é obrigação dos estados defender sua população desse perigo oferecido. “Sem uma regulamentação harmonizada e rigorosa sobre a produção, venda e níveis aceitáveis de utilização de pesticidas, a carga dos seus efeitos negativos é sentida pelas comunidades pobres e vulneráveis nos países que têm mecanismos de fiscalização menos rigorosos”.
Além disso, esses agrotóxicos são resistentes, persistindo por décadas na natureza e contaminando o solo e a água, o que compromete a biodiversidade e oferece uma ameaça de contaminação para todo o ecossistema. Os especialistas mencionaram que os neonicotinóides, insecticidas derivados da nicotina, são ainda mais assustadores, já que podem estar relacionados ao desaparecimento de abelhas no mundo. Eles disseram que o consequente desbalanço prejudicaria 71% da produção de alimentos polinizados pela espécie.
Essas substâncias também apresentariam um grande risco para os consumidores. “Os maiores níveis de pesticidas são quase sempre encontrados em legumes, folhas verdes e frutas, como maças, morangos e uvas”. Eles também podem “se acumular biologicamente em animais de fazenda” que os consomem e acumulam na gordura corporal, sendo encontrados em ovos e no leite, segundo o texto.
Para a ONU, esses desafios apresentados pelos pesticidas são ainda mais dificultados pelas corporações que os produzem. De acordo com o documento, essa indústria “nega sistematicamente” os danos causados pelos agrotóxicos e as “estratégias de marketing antiéticas” dessas empresas “continuam iguais”.
O parecer ainda acusa o oligopólio, composto por “Monsanto e Bayer, Dow e Dupont e Syngenta e ChemChina” que controla 65% das vendas de pesticidas, de “conflito de interesses”, já que essas corporações também controlam a venda de quase 61% das sementes, conforme o texto. Os relatores também condenam os esforços dessas indústrias em “influenciar políticos e reguladores, obstruindo reformas e paralisando restrições globais à pesticidas”.
Uso de pesticidas no Brasil
Segundo relatório da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) de 2012, o Brasil é o maior consumidor de pesticidas agrícolas do mundo e aumenta sua utilização a uma velocidade duas vezes superior a dos demais países. O uso de agrotóxicos no país aumentou 190% em 2010 com relação ao ano anterior, enquanto no resto do mundo o mercado se expandiu 93%. O documento estima que os agricultores brasileiros usam, a cada ano, cerca de um bilhão de litros de pesticidas, o que representa cinco litros por habitante. De acordo com o último relatório do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foram registradas 5.253 intoxicações por pesticidas no Brasil em 2009, das quais 2.868 correspondem aos de uso agrícola. Para especialistas, a Soja seria o produto cuja produção é a que mais exige agrotóxicos.