Missões tentam explicar por que Vênus virou desastre climático inabitável
A Nasa e a Agência Espacial Europeia querem investigar o planeta de forma minuciosa
Ao contrário da deusa que lhe dá nome, o planeta Vênus nem de longe parece associado ao amor. O dióxido de carbono prevalece em sua atmosfera espessa e tóxica. Seus céus são tomados por nuvens perenes de ácido sulfúrico que retêm o calor, causando um efeito estufa descontrolado e temperaturas de até 400 graus. Embora Mercúrio esteja mais próximo do Sol, o segundo planeta menos distante da estrela é o mais quente do sistema, e o mais brilhante no firmamento quando a noite cai. Os astrônomos e cientistas, no entanto, suspeitam que nem sempre foi assim — por semelhanças em tamanho, massa, densidade e volume com a Terra, pode ter sido, há muito tempo, um mundo habitável, com oceanos e clima muito parecidos com os nossos. Como, então, chegou ao inferno que se tornou?
Para responder à intrigante pergunta, a Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, selecionou duas novas missões para Vênus como parte de seu programa Discovery de exploração do sistema solar. Chamadas de DaVinci e Veritas, cada uma delas recebeu cerca de 500 milhões de dólares do governo americano para investigar o planeta de forma mais minuciosa, coletando dados que permitam entender como se transformou em uma espécie de estufa descontrolada. Mais ambiciosa, a DaVinci prevê um mergulho na espessa atmosfera do planeta, fazendo medições de gases nobres e outros elementos. Já a Veritas pretende reconstituir sua história geológica, parecida com a da Terra, e entender por que razão se desenvolveu de maneira tão distinta.
Planejada para ser lançada em dezembro de 2027 e com previsão de chegada em julho de 2028, a Veritas será a próxima missão do programa Discovery após as partidas de Lucy (2021) e Psyche (2022), ambas designadas para investigar asteroides de Júpiter. A palavra “veritas” significa “verdade” em latim, mas é também o acrônimo, em inglês, de “Venus Emissivity, Radio Science, InSAR, Topography and Spectroscopy” (Emissividade de Vênus, Ciência de Rádio, InSAR, Topografia e Espectroscopia). Ao entrar na órbita venusiana, a sonda acionará um radar dotado de tecnologia avançada, o InSAR da sigla, que mapeará a superfície para criar imagens em formato 3D da topografia e confirmar se processos como placas tectônicas e vulcanismo ainda estão ativos no planeta.
Característica marcante do estilo Nasa, os nomes de ambas as missões carregam um duplo sentido. Além de homenagear o polímata italiano Da Vinci, também é um acrônimo do inglês Deep Atmosphere Venus Investigation of Noble Gas, Chemistry, and Imaging (Investigação de Vênus em Atmosfera Profunda de Gás Nobre, Química e Imagens). Recentemente, cientistas envolvidos na missão publicaram um estudo na revista The Planetary Science Journal detalhando os pontos centrais do projeto. O lançamento está marcado para meados de 2029, com dois sobrevoos em 2030 e a entrada na atmosfera até o fim de 2031. A sonda orbital medirá a composição do ar, além de determinar se o planeta já teve oceanos. Na superfície, serão feitas medições de gases nobres e outros elementos, além de imagens de alta resolução das “tesselas”, equivalentes aos nossos continentes.
A Nasa, que já havia visitado Vênus em 1989, quando enviou a sonda orbital Magellan, não é a única interessada no planeta. A Agência Espacial Europeia (ESA) também anunciou sua própria missão para lá, a primeira desde 2005, chamada de Venus Express. A espaçonave EnVision, que está prevista para alçar voo no início dos anos 2030, terá o desafio de obter imagens de radar de alta resolução da superfície do planeta. Atualmente, apenas a japonesa Akatsuki, que chegou em 2015 e está estudando a atmosfera, percorre a órbita venusiana. “Vênus foi esquecido por muito tempo”, disse à revista Nature o cientista sueco Håkan Svedhem, que participou de vários projetos da ESA. Já passou, portanto, da hora de desbravá-lo.
Nos últimos anos, as incursões com esse propósito estiveram voltadas sobretudo para Marte, que recebeu uma série de missões exploratórias. Mas com as mudanças climáticas, uma pandemia em andamento e o perigo iminente de novas tragédias, faz sentido jogar luz sobre outros objetos do sistema solar — seja para estudar sua evolução, seja para identificar possíveis fontes de vida. Investigar a imensidão do universo possibilita entender melhor como a Terra evoluiu e o que fazer para evitar um desastre ecológico que inviabilize a vida humana no precioso planeta.
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794