Invasão vegetal: espécies até então adormecidas se espalham com mudanças climáticas
Estudos alertam para uma ameaça que afeta o ecossistema e a economia
Os invasores já estão entre nós. E não, não são alienígenas, mas espécies terrestres que, ao evadir-se do seu hábitat natural e conquistar novos terrenos, desafiam a ecologia e a agricultura. É o que está acontecendo com uma lista de plantas. Com um detalhe sórdido: até então adormecidas ou limitadas, agora elas se aproveitam do aquecimento global para se disseminar e comprometer inúmeras regiões do planeta. O aviso foi dado por uma pesquisa coordenada pela Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos. Ela acusa a existência de 169 espécies vegetais que, ao acordar e se expandir, poderão causar desastres ambientais e econômicos — ao menos dezoito delas são apontadas como ameaças urgentes a partir de 2040.
Tais espécies, um dia devidamente contidas, são despertadas pelas mudanças climáticas em curso, especialmente o aumento das temperaturas e alterações no regime de chuvas. Ao ganhar território, elas são capazes de transformar ecossistemas e levar ao colapso a biodiversidade local. As plantas invasoras se beneficiam, na realidade, de algumas particularidades biológicas. “Elas têm maior eficiência ao fazer a fotossíntese, são mais resistentes a variações ambientais e, em geral, mais adaptadas ao clima quente”, diz Vania Pivello, pesquisadora do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP).
Essa alta capacidade adaptativa — regida pelas leis da evolução — permite que arbustos, cactos e árvores daninhas se multipliquem muito mais rápido que as populações nativas. Para complicar, algumas regiões são mais vulneráveis a elas, como as áreas insulares, tropicais e subtropicais. O alerta, portanto, é especialmente relevante para o Brasil. A ameaça das intrusas reside em seu papel no desequilíbrio do ecossistema, algo firmado pela convivência de espécies (vegetais, animais, fúngicas…) que coexistem há milhares de anos. Só que essa harmonia também é frágil, sobretudo quando as condições climáticas mudam.
Fora o impacto sobre a flora e a fauna, a invasão pode comprometer cultivos críticos para a subsistência e a economia. No Brasil, culturas como as de soja, milho e café correm risco. O estudo recém-publicado adverte que o despertar das espécies forasteiras pode reduzir drasticamente a produtividade e aumentar os custos com o controle de pragas e a recuperação ambiental. Com exceção de fungos, algas e microrganismos, estima-se que tenhamos 500 espécies de plantas e animais invasores documentados no país. “Nem 5% deles trazem benefícios ao ecossistema”, diz Pivello.
Ao menos existem algumas táticas para conter ou mitigar o perigo. “Medidas para proibir a introdução de espécies de alto risco é a abordagem mais eficaz”, afirma a ecologista Bethany Bradley, líder da nova pesquisa. A maioria dessas plantas intrometidas é representada por exemplares utilizados para fins ornamentais que escaparam ao controle humano. “Os países devem reforçar e implementar políticas que reduzam a introdução acidental de invasores, aumentando a inspeção de alimentos e espécies vivas, por exemplo”, diz Bradley.
Apesar de esse campo de estudos ser relativamente novo no Brasil, já existem iniciativas de olho no fenômeno. O Instituto Hórus, uma organização não governamental, tem enfoque justamente no manejo e na gestão de espécies exóticas. Já a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos — BPBES (do inglês Brazilian Platform on Biodiversity and Ecosystem Services) monitora mudanças ecológicas. Nós, cidadãos, também temos um papel a cumprir nessa história, evitando transplantar espécies de outras regiões sem conhecimento adequado e sempre priorizando — seja para o jardim, seja para a horta e o pomar — os representantes nativos. A esta altura, convém resgatar o conselho do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626): para comandar a natureza, é preciso obedecer-lhe.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910