A humanidade costuma encontrar conforto – e uma certa sensação de superioridade moral – no fato de terem se afastado o máximo possível da natureza selvagem. Para a ciência, no entanto, os humanos são parte indissociável da pirâmide ecológica e, de acordo com um artigo publicado nesta quinta-feira, 29, a interação é tamanha que as atividades antrópicas colocam em risco mais de 5 mil dos vertebrados.
Esse grupo contém cerca de 47 mil espécies e representa a maioria dos bichos conhecidos, de peixes e anfíbios a répteis, aves e mamíferos. Desse total, quase 15 mil são predadas por seres humanos: 55% deles para o consumo e a outra porção dividida entre atividades como caça recreacional, moda, estimação ou uso medicinal.
A comparação com as grandes feras da selva pode trazer um pouco de perspectiva. O impacto da predação humana é 80 vezes maior que a dos leões, 113 vezes maior que a dos temidos tubarões brancos e 300 vezes maior que a de uma onça-pintada adulta. “Sem dúvida esse trabalho mostra a magnitude de nossa papel como predador de topo de cadeia alimentar”, afirma Mauro Galetti Rodrigues, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coautor do artigo.
Os resultados, publicados no periódico científico Communications Biology, derivam de dados levantados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Os pesquisadores ainda identificaram que de todos os animais predados, 39% constam na lista vermelha de animais ameaçados de extinção, uma consequência direta da interferência humana.
“O outro aspecto mais surpreendente foi o uso generalizado no comércio de animais de estimação, que para pássaros, peixes com nadadeiras raiadas, répteis e anfíbios foi muito frequente”, disse a Veja Rob Cooke, pesquisador do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido e um dos autores principais do estudo.
Os números, de fato, surpreendem. Mais da metade de todos os vertebrados terrestres utilizados, por exemplo, são destinados ao mercado de estimação, um número que totaliza mais de 4200 espécies. Entre as aves, esse montante passa dos 3200.
Os cientistas esperam que, apesar de apenas uma parcela dos bichos estarem rigorosamente ameaçados, a exploração a longo prazo leve a um declínio na diversidade de vertebrados na natureza. “O uso humano já teve impactos generalizados na biodiversidade, mas as consequências podem ser ainda maiores, de extinção e mudança de comportamento até competição com predadores e mudança na maneira como eles interagem entre si”, afirma Cooke.