Fósseis de dinossauros alcançam cifras recordes em casas de leilão
Eles estimulam o surgimento de uma indústria que transforma tesouros científicos em mercadorias
Em 1987, o paleontólogo amador Stan Sacrison encontrou em solo americano o fóssil de um tiranossauro de 67 milhões de anos que, em seu auge, pesava 7,5 toneladas. O achado entrou para a história: seus 188 ossos intactos representam cerca de 70% do esqueleto total, enquanto o crânio quase completo é o mais perfeito já desenterrado. Até outubro de 2020, Stan, como o dinossauro foi batizado, estava em exibição no Instituto de Pesquisas Geológicas de Black Hills, no estado de Dakota do Sul — a entidade gerida pelo famoso paleontólogo Peter Larson ajudou a tirá-lo da terra e a limpá-lo.
No início daquele mês, a relíquia foi vendida pela Christie’s pelo valor recorde de 31,8 milhões de dólares, o mais alto já pago por um fóssil em leilão, e passou aos domínios do Departamento de Cultura e Turismo de Abu Dhabi, que a converterá em uma das principais atrações do futuro Museu de História Natural do emirado, com inauguração prevista para 2025.
Stan, que tem várias réplicas em resina circulando pelo mundo, é o símbolo de uma tendência que se intensificou desde então. Cientistas diletantes juntaram-se a pesquisadores renomados para caçar tesouros ocultos pela passagem do tempo. Apesar dos novos recursos tecnológicos, certamente não é fácil encontrá-los, mas o desafio pode valer muito a pena — em termos de prestígio e, acima de tudo, monetários.
A comunidade científica dentro e fora das fronteiras americanas é avessa ao movimento, sobretudo quando entram na disputa pelos fósseis, além de museus e instituições privadas de pesquisa, celebridades como os atores Nicolas Cage e Leonardo DiCaprio, que já desembolsaram verdadeiras fortunas para levar para casa resquícios desses majestosos animais. Sem compromisso científico, eles fazem isso por diversão pura e simples. Em entrevista ao jornal britânico Daily Mail, Steve Brusatte, paleontólogo da Universidade de Edimburgo, pondera que as casas de leilões estão transformando espécimes valiosos para a ciência em “algo mais do que brinquedos para os ricos”. Em seu livro Assembling the Dinosaur (Montando o dinossauro, em tradução livre do inglês), o historiador Lukas Rieppel, da Universidade Brown, lembra que esse tipo de comércio existe há tempos. “E sua história mostra que o debate sobre se os dinossauros devem ser comprados e vendidos envolve questões muito mais profundas sobre a relação de longa data, mas muito contestada, entre ciência e capitalismo”, escreve ele.
Nos Estados Unidos, a legislação diz que os fósseis pertencem aos proprietários das terras em que foram achados. Portanto, podem ser vendidos, o que era comum no início da era dourada da paleontologia americana. Até que, no fim do século XIX, houve um esforço conjunto dos museus para desmercantilizar os ossos de dinossauros. No Brasil, a lei impede tal comércio. “Aqui, os ossos são considerados bens da União e não podem nem ser exportados nem comercializados”, explicou a VEJA o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo.
Como no mundo das artes, a indústria de fósseis também está sujeita a armadilhas. Uma polêmica envolve outro tiranossauro, Shen, anunciado pela Christie’s de Hong Kong como um “dos melhores espécimes do mundo” e, por isso, avaliado em cerca de 25 milhões de dólares. Após ter seu número de ossos originais contestado por cientistas, a casa de leilões decidiu suspender o pregão do lote até que novas pesquisas sejam feitas e comprovem a autenticidade do suposto tesouro. Os dinossauros desapareceram da face da Terra há 65 milhões de anos, mas o fascínio que despertam continua a se expandir.
Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818