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Estamos revivendo espécies extintas ou apenas criando réplicas modernas?

Projetos de desextinção usam DNA fragmentado e edição genética para recriar espécies desaparecidas, mas o resultado está longe de ser original

Por Timothy Hearn*, para The Conversation
11 abr 2025, 18h30

De “lobos-terríveis” a mamutes lanosos, a ideia de ressuscitar espécies extintas capturou a imaginação do público. A Colossal Biosciences, empresa de biotecnologia sediada em Dallas que lidera a iniciativa, ganhou manchetes por seus esforços ambiciosos para trazer de volta animais há muito perdidos usando engenharia genética de ponta.

Recentemente, a empresa anunciou o nascimento de filhotes com as principais características dos lobos-terríveis (dire wolf no original em inglês), um predador icônico visto pela última vez na América do Norte há mais de 10.000 anos. Esse anúncio veio na esteira dos anúncios de projetos anteriores voltados para o mamute-lanoso e o lobo-da-tasmânia (thylacine). Tudo isso alimenta a sensação de que a “desextinção” não é apenas possível, mas iminente.

Mas, à medida que a ciência avança, uma questão mais profunda persiste: quão próximo deve ser o resultado para ser considerado um verdadeiro retorno? Se pudermos recuperar apenas fragmentos do genoma de uma criatura extinta – e tivermos que construir o restante com substitutos modernos -, isso é realmente uma “desextinção” ou estamos simplesmente criando sósias?

Para o público, a “desextinção” geralmente evoca imagens de ressurreição no estilo Jurassic Park: a recriação de um animal perdido, renascido no mundo moderno. Nos círculos científicos, entretanto, o termo engloba uma variedade de técnicas: reprodução seletiva, clonagem e, cada vez mais, biologia sintética por meio da edição do genoma. A biologia sintética é um campo que envolve o redesenho de sistemas encontrados na natureza.

Os cientistas têm usado a reprodução seletiva de gado na tentativa de recriar um animal que se assemelhe ao auroque, o ancestral selvagem das raças atuais. A clonagem foi usada para trazer de volta, por um breve período, o íbex pirenaico, que foi extinto em 2000. Em 2003, uma equipe espanhola levou um bezerro clonado a termo, mas o animal morreu poucos minutos após o nascimento.

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Esse fato é frequentemente citado como o primeiro exemplo de “desextinção”. Entretanto, o único tecido preservado era de uma fêmea, o que significa que não poderia ter sido usado para trazer de volta uma população viável. O trabalho da Colossal se enquadra na categoria de biologia sintética.

Essas abordagens diferem no método, mas compartilham um objetivo comum: recriar uma espécie que foi perdida. Na maioria dos casos, o que surge não é uma cópia genética exata da espécie extinta, mas um substituto: um organismo moderno projetado para se assemelhar ao seu ancestral em termos de função ou aparência.

Veja o caso do mamute-lanoso. O projeto da Colossal tem como objetivo criar um elefante asiático adaptado ao frio que possa desempenhar o antigo papel ecológico do mamute. Mas os mamutes e os elefantes asiáticos divergiram centenas de milhares de anos atrás e diferem em um número estimado de 1,5 milhão de variantes genéticas. A edição de todas elas é, por enquanto, impossível. Em vez disso, os cientistas estão visando algumas dezenas de genes ligados a características importantes, como resistência ao frio, armazenamento de gordura e crescimento de pelos.

Compare isso com seres humanos e chimpanzés. Apesar de uma semelhança genética de cerca de 98,8%, as diferenças comportamentais e físicas entre os dois são enormes. Se lacunas genéticas comparativamente pequenas podem produzir diferenças tão grandes, o que podemos esperar ao editar apenas uma pequena fração das diferenças entre duas espécies? Essa é uma régua prática útil para avaliar afirmações recentes.

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Conforme discutido em um artigo anterior, o projeto do lobo-terrível da Colossal envolveu apenas 20 edições genéticas. Elas foram introduzidas no genoma de um lobo-cinzento (Canis lupus) para imitar as principais características do extinto lobo-terrível (Aenocyon dirus). Os animais resultantes podem ter a mesma aparência, mas com tão poucas alterações eles são geneticamente muito mais próximos dos lobos modernos do que de seus parentes pré-históricos.

As ambições da Colossal vão além dos mamutes e dos lobos terríveis. A empresa está também está trabalhando para reviver o lobo-da-tasmânia, um marsupial carnívoro que já foi nativo da Austrália continental, Tasmânia e Nova Guiné. O último exemplar morreu no Zoológico de Hobart em 1936. A Colossal está usando um parente genético chamado dunnart de cauda gorda – um marsupial minúsculo do gênero Sminthopsis – como base. O objetivo é projetar o genoma do dunnart para expressar as características encontradas nos lobos-da-tasmânia. A equipe diz que está desenvolvendo um útero artificial para carregar o feto projetado.

A Colossal também tem um projeto para reviver o dodô (Raphus cucullatus), um pássaro que não voa e que habitou as Ilhas Maurício até o século XVII. Esse projeto usará o pombo de Nicobar (Caloenas nicobarica), um dos parentes vivos mais próximos do dodô, como base para a reconstrução genética.

Em cada caso, a empresa se baseia em um projeto parcial: DNA antigo incompleto e, em seguida, usa a poderosa ferramenta de edição de genoma CRISPR para editar diferenças específicas no genoma de uma espécie viva intimamente relacionada. Os animais resultantes, se nascerem, podem se assemelhar a seus equivalentes extintos na aparência externa e em alguns comportamentos, mas não serão geneticamente idênticos. Em vez disso, serão híbridos, mosaicos ou substitutos funcionais.

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Isso não nega o valor desses projetos. Na verdade, talvez seja hora de atualizar nossas expectativas. Se o objetivo for restaurar os papéis ecológicos, e não recriar perfeitamente os genomas extintos, esses animais ainda poderão desempenhar funções importantes. Mas isso também significa que devemos ser precisos em nossa linguagem. Essas são criações sintéticas, não retornos reais.

Tecnologia para evitar a extinção

Há exemplos mais fundamentados de trabalho para reverter a quase extinção, principalmente do rinoceronte branco do norte (Ceratotherium simum). Apenas duas fêmeas estão vivas atualmente, e ambas são inférteis. Os cientistas estão trabalhando para criar embriões viáveis usando material genético preservado e mães substitutas de espécies de rinocerontes com parentesco próximo. Esse esforço envolve clonagem e reprodução assistida, com o objetivo de restaurar uma população geneticamente idêntica à original.

Ao contrário do mamute ou do lobo-da-tasmânia, o rinoceronte branco do norte ainda tem representantes vivos e células preservadas. Isso o torna um caso fundamentalmente diferente – mais biologia da conservação do que biologia sintética. Mas mostra o potencial dessa tecnologia quando implantada para preservação, não para reconstrução.

A edição de genes também é promissora para ajudar espécies ameaçadas de extinção, usando-a para introduzir diversidade genética em uma população, eliminar mutações prejudiciais em espécies ou aumentar a resistência a doenças ou mudanças climáticas. Nesse sentido, as ferramentas de desextinção podem, em última análise, servir para evitar extinções, em vez de revertê-las.

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Então, onde isso nos deixa? Talvez precisemos de novos termos: aproximações sintéticas, análogos ecológicos ou restaurações projetadas. Esses termos podem não ter o efeito dramático da “desextinção”, mas estão mais próximos da realidade científica.

Afinal de contas, esses animais não estão voltando dos mortos – eles estão sendo inventados, peça por peça, a partir do que o passado deixou para trás. No final, talvez não importe se os chamamos de mamutes ou elefantes lanudos, lobos-terríveis ou cães projetados. O que importa é como usamos esse poder – seja para renovar ecossistemas destruídos, para preservar o legado genético de espécies que estão desaparecendo ou simplesmente para provar que podemos.

Mas devemos pelo menos ser honestos: o que estamos testemunhando não é uma ressurreição. É uma reimaginação.

*Timothy Hearn, Senior Lecturer in Bioinformatics, Anglia Ruskin University

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