Edward Witten e os nós da física moderna
Considerado o sucessor de Einstein, teórico das supercordas fala a VEJA dos desafios e promessas de um modelo que pretende ser a "Teoria de Tudo"
São os pequenos problemas que tiram o sono do físico e matemático americano Edward Witten. “Fiquei um tempão ontem à noite tentando resolver uma equação que descreve uma coisinha pequena”, diz ao site de VEJA. “E no fim das contas não era tão simples assim.” De probleminha em probleminha, de equação em equação, Witten ousa a grande aventura de unificar em uma só teoria os dois pilares da física moderna: a mecânica quântica, que descreve o mundo subatômico; e a teoria da relatividade, que abarca as grandes escalas do universo. O desafio é tal que este modelo dos sonhos passou a ser conhecido simplesmente como Teoria de Tudo.
A aposta de Witten chama-se teoria das supercordas, para a qual contribuiu, nos anos 1990, com um trabalho seminal que unificou diferentes versões das supercordas em uma só, a chamada teoria M. Atualmente, parte considerável da comunidade científica está convencida que esta é de fato a melhor candidata a uma Teoria de Tudo.
Se é que um dia será alcançada, tantos são os “pequenos problemas”, esta teoria concretizaria a obsessão final de Albert Einstein. Depois de dar novas base à física moderna, Einstein tentou, sem sucesso, chegar a algum modelo único e coerente que descrevesse diferentes forças da natureza. Foi o que o afastou da linha de frente dos laboratórios. E o que o levou a se queixar, nos anos 1940: “tornei-me um velho solitário, mais conhecido porque não uso meias” – antes, é claro, de tornar-se ainda mais conhecido na imagem icônica dos anos 1950, em que aparece descabelado e com a língua de fora.
Como Einstein em seus últimos anos de vida, Witten sonha também com a unificação das teorias. “As coisas grandes são feitas de coisas pequenas”, diz. “Não podemos ter uma teoria que fala de estrelas e outra completamente diferente que descreve os átomos, porque estrelas são feitas de átomos.”
Como Eistein, Witten também tem a reputação de ser brilhante em uma área de especialização notoriamente estrelada. Um estudo sobre a relevância dos cientistas em atividade, publicado na revista Nature, colocou Witten no topo do ranking da física. Seu índice de relevância, baseado nas citações feitas pelos pares, é quase três vezes maior que o necessário para ingressar na Academia Americana de Ciências.
Por tudo isso é comum descrevê-lo como um novo Einstein. Ou, mais precisamente, seu sucessor. “Não deveríamos banalizar esse tipo de comparação”, disse Sam Treiman, da Universidade de Princeton, ao jornal americano The New York Times. “Mas se estamos falando do Witten…” Witten, naturalmente, refuta a comparação: “não sou páreo.”
Opinião do especialista
Nathan Jacob Berkovits
Doutor em Física pela Universidade da Califórnia e professor titular da Unesp
A grande contribuição de Witten foi reunir cinco teorias de cordas diferentes, mas igualmente legítimas, em uma só. Ele percebeu que, ao adicionar mais uma dimensão à receita, teorias concorrentes até então na verdade eram partes pertencentes a uma teoria maior, unificada, a que ele deu o nome de teoria M. Entendemos a teoria até certo ponto e ela faz boas previsões. O problema é que não conseguimos verificar essas previsões na prática ainda. Apesar disso, tem aplicações úteis em outras áreas e abriu caminhos na matemática que os próprios matemáticos não conheciam.
“Ninguém entende mais que isso” – Witten veio ao Brasil receber o título de doutor honoris causa da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Aproveitou a passagem para dar uma aula sobre a teoria das supercordas.
A teoria das supercordas é uma abstração quase impenetrável que tenta descrever o universo como a expressão de minúsculas cordas vibrando em dez ou, segundo Witten, onze dimensões – as três dimensões espaciais do mundo que conhecemos, a dimensão do tempo e outras tantas que não conseguimos perceber. É a vibração destas cordas que determina todas as partículas e as forças do universo. E “ninguém entende muito mais do que isso”, brinca Witten.
Uma razão para ninguém entender muito mais do que isso é própria dos modelos da matemática e da física teórica. Pode-se imaginar a estupefação de quem primeiro ouviu do geômetra Euclides, 2200 anos atrás, sua definição de ponto: “é aquilo que não tem partes, que não tem magnitude”. Ou que a luz, desde as descobertas da mecânica quântica, ora se comporta como onda, ora como partícula. O Nobel Richard Feynman, o mais influente físico teórico depois da II Guerra, dizia que a dificuldade de compreensão se deve ao “desejo incontrolável, mas vão” de tentar enxergar um modelo teórico em termos familiares.
Difícil de imaginar, a hipótese das supercordas é ainda mais complicada de verificar. É o que esfria os ânimos de parte da comunidade científica. Apesar do nome, as supercordas são muito, muito pequenas. Em termos comparativos: uma destas cordinhas está para o núcleo de um átomo assim como a Terra está para todo o universo visível, conforme exemplifica Freeman Dyson, em Infinito em Todas as Direções (Ed. Cia. das Letras, pg. 386). É uma escala bilhões de milhões de vezes menor que qualquer coisa jamais observada. “Apesar da elegância teórica, ainda não temos a menor evidência experimental de que a teoria das supercordas esteja correta”, diz o físico Marcelo Gleiser.
O que são as supercordas?
Ilustração da teoria M: unificação de diversas teorias
De acordo com a física moderna, existem quatro forças fundamentais na natureza: a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e forte (entre subpartículas dos átomos). Já existe um modelo teórico que une três dessas forças: o eletromagnetismo e as forças nucleares. Este modelo se chama o “modelo padrão” e esta sendo testado com muito sucesso nos aceleradores de partículas.
Falta unir as quatro forças – a gravidade e as outras três forças – em um único modelo teórico. A teoria das supercordas é a candidata que vem ganhando mais força nos últimos anos para se tornar a Teoria de Tudo.
O modelo acaba com a noção de que as partículas fundamentais são partículas pontuais. Em vez disso, propõe que sejam, na verdade, pequenos laços que vibram o tempo todo. Essas “cordas” fechadas em círculo vibrariam de diferentes formas, e essa diferença caracteriza as diversas partículas do universo.
A teoria também exige que o mundo de quatro dimensões (altura, largura, profundidade e tempo) inclua outras sete dimensões que ainda não foram observadas.
E tem ainda outro problema com as supercordas. A conta é tão complexa que as equações que tentam descrevê-las não passam de aproximações, e aproximações tão complicadas que só podem ser resolvidas parcialmente. É bastante simbólico que da tal teoria M não se saiba nem bem o que quer dizer o “M”. Witten nunca cravou um significado para a inicial, embora muitos tenham suposto “M” de membrana. Outros, com alguma ironia, “M” de mistério.
“É o melhor que temos” – Com tantas ressalvas, é de se perguntar por que as supercordas empolgam tanto uma parte da comunidade científica. Há três boas razões.
A primeira é de natureza matemática: cordas têm dimensão, ao contrário do ponto euclidiano “que não tem magnitude”. Na hora da conta, dividir um valor qualquer por algo “que não tem magnitude” (ou seja, zero) resulta infinito. Há um expediente matemático para contornar resultados infinitos numa mesma expressão, chamado renormalização, mas teóricos como o próprio Feynman descreveram o truque como um sinal da fragilidade do modelo, conta John Gribbin em The Universe Biography.
A segunda razão de entusiasmo é essencialmente física: a teoria das supercordas prevê a existência do gráviton, a partícula hipotética da força gravitacional. Por aí, a hipótese das supercordas surge como um modelo quântico do qual a relatividade é sua consequência. Esta é a promessa mais empolgante de unificação teórica – e “a maior emoção intelectual” que Witten já sentiu, como narra Brian Green, em seu O Universo Elegante (Ed. Companhia das Letras, 476 pg).
Uma terceira razão é circunstancial, e o italiano Daniele Amati a expôs da seguinte maneira: trata-se de um modelo do século XXI que apareceu sem querer no século XX. É que só agora experimentos como o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o famoso acelerador de partículas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), poderão começar a verificar indícios indiretos da teoria. “Mas se isso não acontecer”, diz Gleiser, “acho difícil que o modelo continue a ser considerado” (Leia no Acervo Digital VEJA: “Especial Big Bang”).
Witten não sabe dizer em quanto tempo ou mesmo se é que algum dia será provada a existência das supercordas. Enquanto isso, porém, “a teoria está sendo útil para entender melhor aquilo que nenhum outro recurso físico ou matemático consegue explicar. É o melhor modelo que temos para irmos além.”
Pequenas manchas – Gleiser conheceu Witten durante seu doutorado no Fermilab, o acelerador de partículas americano. “É uma das pessoas mais impressionantes que conheci na vida”, conta. “Em 5 minutos, entendeu tudo o que eu tinha feito e ainda lançou ideias que eu mal conseguia entender.” Mas Gleiser vê uma grande diferença entre Witten e Einstein. “Einstein sempre percebeu a física como uma ciência empírica e sempre admitiu que teríamos uma visão imperfeita do universo”. Gleiser é um crítico da unificação das teorias da física. “Esse sonho se parece mais com uma aventura intelectual. É impossível uma Teoria de Tudo, porque não somos capazes de medir tudo.”
Witten não espera publicar algum dia a Teoria de Tudo. Nem ganhar o Nobel de física, embora já colecione o seu equivalente da matemática, a medalha Fields. Imagina que em algum momento do século XXI, quando estiver “velho demais para produzir conhecimento novo neste campo”, uma nova geração de cientistas poderá decidir se de fato ele e seus colegas percorreram a trilha certa. Aliás, é o que recomenda aos espíritos desbravadores: “não existem novos continentes para serem descobertos, mas são tantas as coisas que não conhecemos na física e na matemática que talvez seja a aventura do nosso tempo”.
Com 59 anos, cabelos grisalhos, Witten joga tênis regularmente. Vai logo avisando: “Não sou muito bom, mas gosto de jogar”. Criado em um lar judeu, não se considera religioso. “A ciência nos ajuda a descobrir verdades sobre o mundo em que vivemos”, diz. E a religião? “A religião não tem nada a ver com isso.” Witten prefere continuar polindo as pequenas manchas que existem na teoria das supercordas. “Antes de você chegar”, diz à reportagem, “eu estava tentando resolver uma outra equação, um outro pequeno problema”. Encerrada a entrevista, ele se tranca em uma salinha com sua mala de viagem. Vai pensar na tal equação. A religião de Witten é a própria ciência.