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É mais fácil acessar pesquisas científicas, mas custo para autores cresceu

Em países como o Brasil, cientistas são obrigados a cobrir altos valores de publicação em revistas renomadas com realização de vaquinhas

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2024, 18h29 - Publicado em 1 abr 2024, 13h30

É um mundo singular. As publicações científicas, nas quais os resultados de importantes pesquisas acadêmicas de todo o mundo são divulgadas, vem passando por transformações há algum tempo. No modelo tradicional, as investigações são submetidas a periódicos prestigiados e, se aprovadas pelo chamado processo de revisão por pares (nos quais outros cientistas checam todas as etapas do processo), chegam aos assinantes nas versões impressas ou online. Não há custos para os pesquisadores, mas quem quiser ler precisa pagar. Ao longo da década de 1990, o movimento Open Access se espalhou pelos ambientes acadêmicos. A pergunta que fazia era simples: se a ciência é financiada com dinheiro público, por que os pesquisadores precisavam pagar para acessar os artigos? O modelo antigo ainda está em vigor, mas a ideia nova ganhou tração e, hoje, muitos dos artigos científicos já ficam disponíveis online e gratuitamente para quem quiser ler. Surgiu, no entanto, um novo problema. O custo que antes ficava a cargo dos leitores, passou para os pesquisadores. Os artigos são mesmo livres, mas os autores agora precisam pagar às editoras para publicar – e os valores, muitas vezes, são exorbitantes para a realidade brasileira.

O Open Access foi, de fato, um movimento bem vindo para a ciência, democratizando o acesso ao que é construído com dinheiro público. Os altos valores cobrados, contudo, são proibitivos e fazem com que pesquisadores brasileiros optem pelo modelo antigo, ainda vigente, ou por periódicos menos prestigiados. “As publicações em Open Access são fora da nossa realidade porque os nossos financiamentos não cobrem esses custos”, afirma Rosy Mary Isaias, professora de botânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As consequências são desastrosas – publicações no modelo antigo ainda contam para o currículo dos pesquisadores, mas já ficou evidente que os trabalhos disponibilizados de maneira aberta são muito mais acessados e consequentemente, mais citados. Na ciência, uma citação – quando os resultados de um trabalho são mencionados em pesquisas mais recentes – funciona como uma validação do esforço científico que ajuda na consolidação do conhecimento. Quanto mais citações, mais influentes se tornam o pesquisador e a ciência construída no país. Logo, quanto menos publicações abertas, menor o impacto global dos investimentos feitos por aqui. “Sempre nos questionamos o quanto isso impacta no alcance dos nossos artigos, mas é inviável pagar uma taxa que muitas vezes é mais alta que os nossos salários”, diz Isaias.

‘Apartheid científico’

Avaliar o quão justos são esses valores é difícil, afinal, cada editora científica tem uma política diferente e as taxas para publicação em modo aberto apresentam uma grande variação. Via de regra, quanto maior o prestígio, maior o valor – publicações na Nature, por exemplo, custam mais de 12 mil dólares, o equivalente a 60 mil reais, enquanto na maioria das outras não passa de metade disso. Essas cobranças não acontecem em um vácuo e se somam a outros fatores que penalizam a ciência brasileira – a maior parte dos equipamentos e insumos são produzidos em território internacional, então além do baixo investimento em pesquisa, os laboratórios nacionais ainda precisam lidar com encargos de importação e com o câmbio quase sempre desfavorável à moeda brasileira. “Guardadas as devidas proporções, isso cria um verdadeiro ‘apartheid científico’, onde quem está tentando crescer é forçado a se manter sempre atrás”, diz o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Marcelo Gomes Speziali.

Mesmo diante das dificuldades, o Brasil ainda figura no 14º lugar entre os 51 países com maior número de publicações científicas, uma posição invejável. Essa produção, é claro, reflete no orçamento das agências de fomento. Segundo a Fapemig, o valor gasto com publicações científicas chegou a 4,3 milhões de reais apenas em 2023, uma média de 29 mil reais para cada um dos 150 projetos que pediu esse tipo de financiamento. Já de acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), 12 milhões de reais foram destinados pela agência para o pagamento dessas taxas entre 2019 e 2024, dinheiro que seria suficiente para financiar integralmente 200 bolsas de mestrado ou 60 bolsas de doutorado.

Ainda que exorbitantes, esses números não refletem o real impacto nas contas públicas e privadas. “Esse valor sem dúvidas está subestimado, porque ele representa apenas uma das modalidades de financiamento”, explica Márcio de Castro Silva Filho, diretor científico da Fapesp. De fato, é comum que os pesquisadores aportem recursos de fontes diferentes, porque raramente uma única modalidade é suficiente para pagar todo o valor cobrado pelas editoras. Essa é a realidade do paleontólogo Álamo Saraiva, pesquisador da Universidade Regional do Cariri envolvido no repatriamento do fóssil do Ubirajara jubatus, o dinossauro brasileiro. “A Universidade não tem dinheiro para pagar as publicações, então, quando escrevemos um artigo para um periódico de alto impacto, pegamos metade do dinheiro com as agências de fomento e fazemos uma vaquinha do próprio bolso para pagar o restante”, afirma o pesquisador. “O problema é que não conseguimos fazer isso todas as vezes, então escolhemos um ou dois artigos para os periódicos de maior destaque e os outros destinamos a revistas menores.”

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Programas de apoio

Embora haja espaço para redução nos valores, os custos para a manutenção do sistema e das plataformas de publicação são caros. Periódicos sem fins lucrativos cobram algo entre mil e 3.000 dólares para a publicação dos artigos, o que indica o quão dispendioso é o processo. Em resposta a VEJA, porta-vozes da Plos, da MDPI e da Frontiers, três das maiores editoras científicas de todo o mundo, argumentaram que os valores cobrados por elas são adequados, que são transparentes com os gastos e que existem programas para favorecer a publicação de pesquisadores sem investimentos e oriundos de países subdesenvolvidos. “Entendemos que estas taxas ainda são caras para muitos pesquisadores que trabalham no Sul Global, mas temos políticas de suporte”, diz Frederick Fenter, editor executivo da Frontiers. “Em 2022, a Frontiers forneceu 22,9 milhões de dólares em apoio financeiro a mais de 30 mil autores, sendo 44% da América do Sul”. A maior parte dos periódicos tem mesmo programas para auxiliar pesquisadores desamparados, mas eles nem sempre contemplam os brasileiros, eternamente no limbo do desenvolvimento.

No horizonte, começa a surgir uma solução possível para esse entrave, e ela vem da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ainda baseado no modelo anterior de publicação, a agência financia uma plataforma que funcionou como modelo em todo o mundo, chamada de Portal de Periódicos. A partir de acordos com as editoras – e ao custo de 100 milhões de dólares anuais – a Capes disponibiliza acesso gratuito a mais de 30 mil periódicos científicos aos pesquisadores brasileiros. Agora, essas parcerias começam a se adaptar ao novo modelo, com os chamados acordos transformativos. Esses contratos garantirão, além do acesso aos artigos, a possibilidade de publicação nesses periódicos sem a necessidade de pagar as taxas exigidas pelo modelo Open Access. O primeiro deles, assinado em fevereiro, foi com a Sociedade Americana de Química, detentora de mais de 80 revistas, e o próximo, previsto para julho, será com a Springer, editora da Nature e de outras publicações de prestígio. A tendência e expectativa da Capes é de que todos os contratos, daqui para frente, sejam nessa modalidade.

Essa é uma saída possível, mas todos os pesquisadores consultados pela reportagem concordam que o acesso verdadeiramente democrático passará por um maior diálogo. “Os acordos transformativos são a melhor coisa a ser feita agora, porque é preciso haver interlocução internacional, mas discussões mais amplas são necessárias para pensarmos em um leque maior de alternativas, como a maior valorização dos periódicos nacionais”, diz Pedro Carelli, coordenador do Colégio de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-graduação da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

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