De olho nas corujas: livro de pesquisadora americana desvenda segredos da espécie
Ao longo da história, ela simbolizou tanto a sabedoria como o presságio de morte

As corujas são animais fascinantes. A obsessão pelas aves de olhar penetrante e observador remonta a tempos pré-históricos, como nas pinturas rupestres de cerca de 30 000 anos atrás na Caverna de Chauvet, na França. Elas também aparecem em hieróglifos egípcios antigos, na mitologia grega, entre divindades japonesas, nas obras de Picasso e, claro, nas histórias de Harry Potter e a companheira Edwiges. A presença constante em diversas culturas ao longo dos tempos demonstra o impacto duradouro da ave na imaginação humana. Talvez por isso tenham sido tão reverenciadas e difamadas, associadas tanto à sabedoria quanto ao mau presságio.
Um livro recém-lançado, A Sabedoria das Corujas (Fósforo), da pesquisadora americana Jennifer Ackerman, desvenda o que está por trás de uma espécie tão incompreendida e castigada pelas mudanças ambientais. O trabalho de Ackerman, especialista em ciências e natureza, oferece um voo rigoroso pelo mundo dessas aves de rapina com sentidos aguçados, que fazem delas predadoras silenciosas e inclementes. A autora descreve também como elas se comunicam, fazem a corte e se acasalam; como criam seus filhotes; se agem por instinto ou aprendizado; por que viajam ou evitam a migração; e como suportam as mudanças de estação.

Existem mais de 250 espécies de coruja no mundo (veja no quadro). Essas aves de rapina são encontradas em todos os continentes, exceto na Antártica. Uma pequena quantidade está criticamente em perigo, de acordo com organizações internacionais de proteção. A principal ameaça é a perda de habitat nativo devido ao desenvolvimento não planejado, agricultura e mudanças climáticas. As espécies mais vulneráveis são aquelas limitadas a nichos ecológicos estreitos ou pequenas áreas geográficas, como as que dependem de florestas antigas ou vivem em ilhas. “Algumas espécies estão realmente sofrendo mais”, disse Ackerman a VEJA.
No auge do sucesso literário e cinematográfico de Harry Potter, o bruxinho criado pela imaginação da escritora J.K. Rowling, algumas famílias, como a coruja-das-neves, o famoso pet do pequeno Potter, interpretado por Daniel Radcliffe, passaram a ser procuradas como bichos de estimação em várias partes do mundo. Nada mais equivocado. Em gaiolas, não conseguem os movimentos aos quais seus corpos foram projetados. Outro problema, ao mantê-las em casa: suas fezes são muito sujas e fedorentas, exigindo limpeza frequente. “São criaturas selvagens, precisam estar na natureza”, afirma Ackerman. “Elas exigem muita manutenção, são realmente muito difíceis de cuidar.”
Em visita ao Brasil, Ackerman documentou a pesquisa sobre corujas-buraqueiras em Maringá, no Paraná, onde acompanhou o trabalho de campo do especialista americano David Johnson e das cientistas brasileiras Priscilla Esclarski e Gabriela Mendes. O projeto buscava explorar a árvore genealógica dessas aves de hábitos diurnos e determinar se as 23 subespécies identificadas nas Américas constituem um único grupo ou múltiplos, a partir de medições morfológicas e coleta de amostras de sangue para estudos de DNA. “Foi emocionante para mim porque nunca tinha visto essas espécies antes”, diz ela. “E então as buraqueiras viraram as minhas favoritas, amigas de infância.”
Os “superpoderes” das corujas são a audição e a visão privilegiadas, que lhes dão uma capacidade extraordinária de identificar presas para caçar à noite. O rosto abaulado, com protuberâncias que parecem orelhas, mas são apenas penachos ornamentais para camuflagem, funciona como uma espécie de antena parabólica. Outra maravilha da engenharia fisiológica desses bichos é o voo silencioso, não completamente quieto, mas o suficiente para não se fazer ouvir como outras aves e assustar suas vítimas. Suas vocalizações também são muito mais sofisticadas e elaboradas do que apenas o “uu-uu” que as pessoas geralmente associam a elas. Têm pios de saudação, territoriais, enfáticos, e também gorjeiam, chiam e gritam. Para saber o que a coruja tem, enfim, é preciso continuar investindo nelas e na ciência que as cerca. Apostar naquilo que as fez celebradas: a sabedoria atávica e enigmática.
Publicado em VEJA de 25 de abril de 2025, edição nº 2941