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Cientistas encontram evidências dos primeiros cavaleiros da história

Foram examinados restos humanos ocultos em covas com mais de 5 000 anos

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h14 - Publicado em 19 mar 2023, 08h00

Em Ricardo III, peça histórica de William Shakespeare, o monarca que dá título à obra está acuado em uma batalha e grita desesperado: “Um cavalo, um cavalo! Meu reino por um cavalo!”. Do fim do século XVI, quando se acredita ter sido escrita, até a atualidade, os críticos e acadêmicos se revezam em interpretações da fala, algumas das quais põem o animal no centro de um maquiavélico plano de fuga. Independentemente do objetivo do bardo de Stratford-upon-Av­on, o uso do quadrúpede de grande porte para transporte marcou uma virada na história da humanidade. O ganho em mobilidade e distância teve efeitos profundos no uso da terra, no comércio e, como exemplifica Shakespeare, nos conflitos. Há evidências de sua domesticação que remontam a 3500 a.C., mas isso não significa necessariamente que fossem usados como montaria. Agora, um grupo multinacional de cientistas parece ter descoberto provas dos primeiros e mais antigos cavaleiros.

A equitação, sublinhe-se, é uma interação de dois elementos, a montaria e seu cavaleiro. Como os primeiros humanos a montar ainda não haviam desenvolvido selas e arreios, é seguro imaginar que não haveria grandes descobertas arqueológicas nesse sentido. Além disso, como os restos humanos estão disponíveis em maior número e em condições mais completas do que os restos de animais, os pesquisadores intuíram que o melhor modo de identificar o início da atividade seria seguir a trilha de quem ia em cima dos equinos — provavelmente seriam encontradas mudanças anatômicas, e foi o que se revelou.

DESCOBERTA - Esqueleto em Malomirovo, na Bulgária: mudanças na ossatura
DESCOBERTA - Esqueleto em Malomirovo, na Bulgária: mudanças na ossatura (Michał Podsiadło/AP Photo/Image Plus)

Os cientistas examinaram esqueletos encontrados em túmulos chamados kurgans, de 4 500 a 5 000 anos de idade. Os restos pertenciam ao povo Yamnaya, pastores nômades de gado e ovelhas. Viviam na estepe pôntica (do norte do Mar Negro até a leste do Mar Cáspio) e migraram para uma região que hoje compreende da Romênia e Bulgária até a Hungria e a Sérvia. A ideia: se a travessia tivesse sido feita a cavalo, os indivíduos apresentariam mudanças na ossatura e outras patologias causadas pelo esforço repetitivo da equitação — ainda que identificar padrões de atividade em esqueletos humanos seja uma ciência inexata, sem traços únicos que indiquem uma determinada ocupação ou comportamento.

Na investigação, seis critérios foram estabelecidos como indicadores da atividade equestre, que iam desde mudanças no fêmur até traumas que podem ser causados por quedas, chutes ou mordidas dos animais. Foram estudados 217 esqueletos, dos quais cerca de 150 encontrados nos túmulos pertencentes aos Yamnayas. Entre os 156 adultos da amostra, pelo menos 24 foram classificados como “prováveis” cavaleiros, enquanto nove outros foram considerados como “altamente prováveis”. “A prevalência alta dessas características no registro dos esqueletos mostra que essas pessoas andavam a cavalo regularmente”, diz Martin Trautmann, bioantropólogo na Universidade de Helsinque, na Finlândia, e principal autor do estudo. Uma parte do objetivo do trabalho, provar o uso do cavalo por humanos como animal de montaria naquele local e período, foi confirmada. No entanto, há uma avenida de pesquisa para determinar se a montaria era mero símbolo de status, meio de combate nas guerras ou ferramenta da vida pastoral e nômade.

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CULTURA - Grafite da deusa Astarte: montaria remonta à antiguidade da humanidade
CULTURA - Grafite da deusa Astarte: montaria remonta à antiguidade da humanidade (Sandra Steiß/SMB Ägyptisches Museum/.)

É um fascinante fio da meada. Outra linha aponta para evidências ainda mais antigas, encontradas em uma sepultura de cerca de 4300 a.C., na Hungria, em que a ossatura de um imigrante apresentou quatro indicadores da chamada “síndrome de equitação”. É apenas um caso isolado, que não pode sustentar uma conclusão firme. Mas há evidências em cemitérios neolíticos dessa época, como restos de cavalos enterrados com os seus donos. “Precisamos aplicar esse método de análise a coleções ainda mais antigas”, afirma David Anthony, professor do Hartwick College, nos Estados Unidos, e também um dos orientadores do estudo. Os cavalos, não há dúvida, são uma parte vital dos caminhos trilhados pela humanidade, sem os quais não teríamos avançado. Ricardo III tinha razão.

Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833

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