Novo chefe da agência espacial cogita outro astronauta brasileiro
Em entrevista a VEJA, Marco Antônio Chamon comenta sobre projeto Artemis, outras parcerias internacionais e planos da nova gestão
Em julho, Marco Antônio Chamon foi empossado como novo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). Em meio a crescente tensão entre grandes potências pelo protagonismo da exploração da Lua e de Marte, ele será responsável por manter um papel diplomático e buscar novos campos de protagonismo.
Chamon substitui Carlos Augusto Teixeira de Moura, militar da reserva nomeado para o cargo na gestão de Jair Bolsonaro. Engenheiro elétrico formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele tem mestrado em engenharia e tecnologia espacial pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde atua desde 1984, e doutorado em eletrônica pela Escola Nacional de Aeronáutica e Espaço (Supaero, na sigla em francês), localizada em Toulouse, na França.
Em entrevista a VEJA, Chamon comentou sobre a possibilidade do país voltar a ter um astronauta, deu detalhes sobre parcerias internacionais e falou sobre os planos da nova gestão.
Agora que o senhor já está empossado, quais são os planos e quais serão as prioridades para a AEB? O programa espacial tem uma continuidade grande, não há rupturas, porque as atividades espaciais são de longa duração. Existem algumas coisas novas para o programa. O que está em andamento? Já há algum tempo, dois anos aproximadamente, nós assinamos o acordo Artemis com os Estados Unidos, temos que dar continuidade a isso. Há um pouco menos de tempo, ocorreu a abertura econômica do centro de lançamento de Alcântara. Teve um lançamento inicial muito importante. Já vinha em andamento e vai continuar. O que é mais novo são dois grandes acordos internacionais, que estão no radar do Ministério [de Ciência e Tecnologia] e da Presidência da República e são considerados muito importantes. O acordo com a Argentina para fazer o SABIA-MAR e o com a China para fazer o Cbers-6. São os grandes temas e são os primeiros que serão atacados.
Existe alguma estratégia da AEB para garantir um maior protagonismo brasileiro no cenário espacial? em especial agora com o crescente interesse em explorar Marte e a Lua? Sim. O Brasil já tem construído, e a Agência tem a obrigação de manter, um protagonismo internacional. Nós sempre fomos um centro de excelência nas aplicações para o meio ambiente. O programa de monitoramento de desmatamento é um exemplo mundial. Esse protagonismo o Brasil tem. O país também tem um protagonismo na política de dados, nós lideramos o conceito de dados abertos. Nós fomos seguidos por nações que têm grandes programas espaciais. Além disso, o Brasil aparece naturalmente como uma liderança entre os países com menos tradição espacial, primeiro porque o país se relaciona com todo mundo, e segundo porque nós somos um ponto intermediário entre os países emergentes e os países com grandes orçamentos. Todo mundo gostaria de ter o orçamento da Nasa, mas nós temos um programa relevante com o orçamento que nós temos, que não é pequeno, mas é modesto em relação a alguns outros. Nós temos protagonismo por causa dessa posição.
O mundo tem testemunhado uma nova fase da corrida espacial, protagonizada por Estados Unidos e China. Apesar disso, nós mantemos relações com os dois. O Brasil pretende continuar atuando como esse ponto diplomático entre as duas potências? Sim, a ideia aparece quase naturalmente. É fato que nós assinamos o acordo Artemis e é fato que o Presidente Lula foi à China e assinou um protocolo para desenvolver o Cbers-6. O mundo não acabou. Os americanos continuam conversando com a gente e os chineses estão muito satisfeitos com o retorno do Brasil às atividades com eles. Existem diferenças entre os dois, mas eles conversam. Talvez para alguns temas o Brasil sirva de ponte. Nós não somos um mensageiro de luxo entre os dois, isso seria ridículo. A ideia é que, ao conversar com os dois, nós possamos trabalhar com os dois países e essas tensões sejam atenuadas, apesar das divergências.
Sobre o Artemis, como tem evoluído os esforços de estabelecer parcerias com outras entidades nacionais para conseguir viabilizar a atuação brasileira? O Brasil pode cooperar com fazendas espaciais, conhecidas como space farming. Não dá pra colocar uma semente no solo lunar e esperar florescer, mas é preciso construir um contêiner onde as coisas serão plantadas. Isso não é trivial de ser feito, mas nós temos uma boa experiência com a Embrapa, uma potência do Agro que lidera processos desse tipo no país. Os acordos estão para ser assinados e há uma vontade muito grande dos dois lados para trabalhar nisso. Nós estamos tentando copiar essa ideia com outras instituições. Estamos pensando em alguma coisa com a Petrobrás, mas ainda está muito no começo. A ideia é pensar junto com as outras instituições e universidades. Estamos procurando.
Além do space farming, existe alguma ideia já encaminhada? Como seria essa parceria com a Petrobras? Isso ainda não está muito avançado, a Petrobrás pode dizer que não. Mas eles têm uma enorme expertise com mineração, inclusive em ambientes hostis. Isso poderia desaguar em alguma coisa útil no programa espacial. Por enquanto, apenas o da Embrapa é concreto. A busca das capacidades que a gente já tem no Brasil é a primeira coisa que temos que fazer. Onde o Brasil é bom? tem muitas áreas. É preciso andar com o pé no chão e com alternativas que caibam no bolso do contribuinte.
Países como Índia e Canadá têm aderido ao Artemis com a contrapartida de levar astronautas dos seus países à Lua. O Brasil voltará a ter astronautas no espaço em breve? Esse é um esforço que a AEB pretende fazer? Nos próximos meses não, seguramente, mas a ideia de ter um outro astronauta não está descartada. O que seria mais interessante para dar os primeiros passos é se colocar na fila, o que significa dizer “olha eu tenho interesse, lá na frente, quando o programa tiver avançado mais, em ter um astronauta associado a algum trabalho que a gente vai desenvolver na Lua, por exemplo, o space farming“. O astronauta tem um sentido simbólico no imaginário brasileiro, mas o retorno é ainda maior se ele tem uma aplicação. Não descartamos um astronauta, mas isso não acontecerá imediatamente.
Durante a cerimônia de posse, vocês comentaram muito sobre o programa espacial brasileiro e a reindustrialização. O senhor pode comentar um pouco sobre como isso deve ser viabilizado? Existem algumas frentes importantes. A primeira e mais óbvia tem a ver com os satélites, por exemplo, que são encomendas governamentais de alta complexidade tecnológica para a indústria. Isso já tem sido feito e nós queremos continuar e ampliar. A segunda é que cada vez maiores responsabilidades são transferidas para as empresas. O que isso significa? Normalmente o Estado compra pequenos pedaços, mas controla tudo sobre o satélite, desde o projeto até a integração. Nós gostaríamos que, com o tempo, isso passasse cada vez mais para as empresas, até que, em algum momento, nós contratemos o satélite inteiro delas. Nós temos avançado para tentar viabilizar isso. Outra coisa é o que o pessoal chama de downstream. O Brasil tem uma política aberta, de maneira que todo mundo possa usar gratuitamente os dados dos satélites. O que nós gostaríamos é que, com esse insumo, empresas agreguem valor a esse produto e vendam serviços, de agrometeorologia ou prospecção agrícola, por exemplo. Não é o Estado que tem que fazer isso, é o setor privado, que gera emprego e renda. Essa parte está menos desenvolvida, mas, no mundo todo, é a que mais gera riqueza – nós queremos crescer nessa direção.
E sobre os acordos com outros países? A AEB tem pretensões de ampliar essas colaborações? Sim, nós temos essa pretensão. Temos acordos, já bem encaminhados com o Canadá e com a França para desenvolver balões atmosféricos. Nós também temos acordo com a China e com a Argentina para o desenvolvimento de satélites. Nossa parceria com a China está completando 35 anos. O novo satélite é muito diferente dos outros que desenvolvemos com eles. Os anteriores são satélites grandes. Os novos terão a metade do tamanho e exigem mais tecnologia para miniaturizar os componentes. Ele também é diferente na função, pois ao invés de ser um satélite óptico, será um radar, que gera imagens que complementarão as geradas pelos equipamentos antigos por permitirem ver através das nuvens. Com a Argentina nós lançaremos dois satélites, cada país responsável pela construção de um deles, que permitirão, principalmente, o monitoramento aquático e de costas. A constelação BRICS também foi assinada, como isso vai evoluir ainda precisa ser visto, mas os países desse bloco tem um acordo para o desenvolvimento de uma constelação de satélites. Estamos explorando outras possibilidades.
Como está a expectativa de desenvolver a base de Alcântara para prestação de serviços? A expectativa é grande e o fato de termos realizado o lançamento experimental recente materializa isso. Nós temos trabalhado para que isso acontecesse, mas em um certo sentido era apenas papel, agora isso se materializou. O lançamento de um satélite que os sul-coreanos desenvolveram e que foi lançado por uma base nacional. Isso destrava a possibilidade de avançar e é isso que nós queremos explorar. O fato de o primeiro ter acontecido faz com que os outros países vejam que é para valer. Nós temos a posição geográfica mais privilegiada do mundo, então é possível que outros países queiram, pelo menos, saber do que se trata.