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Cerimônias tradicionais ajudam tribos de Papua Nova Guiné a acabar com guerras

Número de conflitos entre clãs diminuiu depois que os povos retomaram cortes de anciões, costume antigo e abandonado após a colonização

Por Da Redação
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h26 - Publicado em 29 set 2012, 18h35

Estudos recentes têm mostrado que a violência diminui conforme as instituições e os governos modernos se desenvolvem. De fato, o número de pessoas que morrem atualmente por conta de assassinatos é muito menor do que no passado. No entanto, um novo estudo publicado na revista Science mostra que, em alguns casos, são as instituições tradicionais e as formas antigas de governo que podem por um freio à violência trazida pelo mundo moderno. É o caso das tribos Enga, um grupo de mais de 400.000 pessoas que vivem no norte da Papua Nova Guiné, pequeno país da Oceania.

CONHEÇA A PESQUISA

Título original: Toward Peace: Foreign Armsand Indigenous Institutions in a Papua New Guinea Society

Onde foi divulgada: revista Science

Quem fez: Polly Wiessner e Nitze Pupu

Instituição: Universidade de Utah

Dados de amostragem: Informações sobre 501 guerras realizadas entre os povos Enga e resultados de 129 cortes judiciais

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Resultado: Depois que as tribos retomaram os métodos de julgamento realizados pelas gerações passadas, o número de mortos diminuiu. Ao comparar as guerras que aconteceram entre 1991 e 1995, e entre 2006 e 2010, os pesquisadores descobriram que o número de conflitos que tiveram de 51 a 300 mortes foi de 9% para 1%.

Até os anos 1990, as desavenças entre as 110 tribos Enga eram resolvidos em conflitos à base de arco e flecha, com um número baixo de mortos e feridos. No entanto, com a adoção de armas modernas como rifles semiautomáticos e espingardas, o número de mortes disparou – entre 1990 e 2010 foram 4.816 mortes. “Missões e escolas foram queimadas, vales inteiros foram desocupados, milhares se tornaram refugiados e os serviços do governo foram interrompidos” disse a antropóloga Polly Wiessner, da Universidade de Utah, que estuda as tribos locais desde 1985.

As guerras começaram a diminuir a partir de 2005, quando a população se deu conta do caos provocado pelas batalhas. Os líderes do clãs e das igrejas locais se juntaram e conseguiram restabelecer a paz ao retomar uma instituição indígena tradicional: as cortes ao ar livre. A única diferença é que, dessa vez, elas eram sancionadas pelo poder do estado.

Os anciãos Enga adaptaram as cerimônias usadas pelas gerações passadas de modo a enfrentar as guerras modernas. Por isso, os magistrados das cortes não se focam na punição dos crimes, mas na restituição dos malefícios provocados. Na maior parte das vezes, o pagamento de um crime se dá na forma da doação de porcos. Uma regra antiga dizia que os combatentes deveriam ser enviados para casa e mascar cana-de-açúcar até chegar a um acordo. Nos tempos modernos, a tradição continua a mesma – a única diferença é que o hábito de mascar cana foi trocado pelo de beber Coca-Cola.

A pesquisa, que analisou dados de 501 guerras e 129 cortes, mostrou que usar os métodos antigos para resolver os conflitos locais acabou sendo mais efetivo para o governo de Papua Nova Guiné do que impor as leis ocidentais. “O caso fornece uma oportunidade rara de examinar a construção e adaptação de instituições para promover a paz”, diz o estudo.

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Enga ()

História de violência – Os conflitos não são novidade entre as tribos locais. Há cerca de 350 anos, os comerciantes Enga introduziram a batata doce na região, o que permitiu que os porcos fossem alimentados de modo a criar uma produção excedente e, por consequência, uma rede de comércio. As tribos passaram a se mover para áreas mais férteis, e essa migração acabou dando início a inúmeros conflitos. Entre os Enga, a guerra tribal é considerada um meio radical de vingar insultos ou lesões, mostrar força ou restabelecer o balanço de poder.

A partir de 1850, as tribos criaram instituições para acabar com a violência. As ofensas passaram a ser pagas com compensações, usando principalmente os porcos criados na região. Novas cerimonias religiosas e tribais surgiram, para disciplinar os mais jovens, honrar os ancestrais e unir os clãs.

Depois de 1950, quando colonizadores australianos começaram a controlar o local, a paz passou a ser mantida por soldados armados, enfraquecendo as tradições tribais. Em 1975, o país conquistou sua independência, e a guerra ressurgiu no país. “As pessoas iniciavam conflitos porque alguém roubava um porco, estuprava uma mulher ou matava alguém, e o clã tinha que mostrar sua força para se defender”, diz Wiessner.

Embora o número de conflitos tenha crescido nesse período, a quantidade de mortos e feridos era pequena, pois as armas usadas pelos combatentes ainda eram arcos e flechas. “Nessa época, era possível pegar seu almoço, subir um morro e assistir à guerra de longe. Era como ver um jogo de futebol”, afirma a pesquisadora.

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As armas de fogo eram mantidas longe dos conflitos, para evitar carnificinas. No entanto, a partir de 1990, os combatentes mais jovens passaram a adotar essa tecnologia, a contragosto dos mais velhos, e uma corrida armamentista teve início na região. Por duas décadas, os conflitos explodiram, e dizimaram 1% da população local. A intensidade das batalhas só foi diminuir a partir de 2005, quando as tribos retomaram os conselhos de anciãos e os tribunais ao livre realizados por seus antepassados.

magistrados ()

Justiça tribal – O estudo de Polly Wiessner vai de encontro com o que defende o psicólogo Steven Pinker, da Universidade de Harvard, que diz que as sociedades humanas surgiram em meio à violência, e se tornaram mais pacíficas com o passar do tempo. “Nosso estudo mostra que sociedades de pequena escala tinham meios efetivos de resolver conflitos e garantir a paz, ao contrário do que muita gente, inclusive Pinker, diz acontecer nas sociedades pré-estatais”, diz Wiessner. “Não estou dizendo que Pinker está errado, mas os Enga mostram que pode haver uma grande variação na capacidade das diferentes sociedades de controlar a violência.”

Ao comparar os períodos que vão de 1991 a 1995 e 2006 a 2010, a proporção de guerras que tiveram entre 51 e 300 mortos caiu de 9% para 1%. No mesmo período, a proporção de guerras com um a cinco mortos subiu de 23% a 74%, mostrando que os tribunais eram capazes de acabar com os conflitos antes que eles se intensificassem.

Antes da introdução das armas modernas, o número médio de mortos por conflito era de 3,7. A partir de 1991, ele subiu para 19. Entre 2006 e 2010, o número de mortos por conflito caiu para cinco.

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Segundo Wiessner, o sistema judicial ocidental funciona em grandes sociedades, onde a maior parte da população não se conhece. A justiça é eficiente ao tirar ao tirar o transgressor de circulação, mas, como ele não aceita sua responsabilidade perante a comunidade e não compensa seu crime, a vítima acaba ficando sem nada. “De modo diferente do sistema de justiça ocidental, as cortes satisfazem as necessidades da comunidade: elas conseguem restaurar as relações pela compensação material, ao mesmo tempo em que levam em consideração a política local e as relações futuras.”

Papua Nova Guiné

[googlemaps https://maps.google.com.br/maps?f=q&source=s_q&hl=pt-BR&geocode=&q=Papua%20New%20Guinea&aq=0&oq=Papua%20New%20Guinea%20&sll=-23.682803,-46.595546&sspn=0.879089,1.454315&t=h&ie=UTF8&hq=&hnear=Papua%20New%20Guinea&z=5&ll=-6.314993,143.95555&output=embed&w=100%&h=480%5D

Nome oficial: Estado Independente da Papua Nova Guiné

Capital: Port Moresby

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População: 6.188.000

Área: 462.840 quilômetros quadrados.

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